Não se pode dizer que a qualidade das novelas brasileiras exibidas na TV não são infinitamente superiores às produzidas e apresentadas pela TV mexicana. Até quando as TVs brasileiras (leia-se, Globo) não possuíam um quadro profissional de bons atores e atrizes extremamente competentes, como na atualidade, isso se refletia na baixa audiência de suas novelas. Contudo, hoje a qualidade da novelística brasileira se elevou de tal forma a ter-se tornado uma mania nacional a audiência obtida pela produção caseira. Essa é a parte positiva da novelística brasileira.
Agora vamos à parte negativa, começando com uma simples e ingênua pergunta: para que servem mesmo as novelas brasileiras? Mais perguntas no lugar de respostas: Para aumentar nossa sensibilização com o drama pessoal das pessoas? Para nos conscientizar de que só participando da solução dos problemas coletivos poderemos ajudar ao próximo? Que com a repetição de formas de lutas individuais em busca do sucesso ficaremos ricos ou melhor de vida? Que só a religião e o culto a Deus pode nos levar ao céu? Que a justiça no planeta existe para servir indistintamente a todos?
Na verdade, a novelistização da vida cotidiana no Brasil está hoje desperdiçando um grande tempo em só trabalhar o lado emocional das pessoas. Qualquer psicoterapeuta apreciador do nosso cotidiano vai entender que a concentração da força interna dos discursos delas não é só alienante, mas bestializador. Não que os autores assim procedam para deixar na lona o público a prestigiá-los de segunda a sábado, mas porque é com o discurso penetrador da parte mais vulnerável do seu cérebro, consequentemente por onde transita sua comoção, que os pontos positivos de audiência atraem mais anunciantes só interessados em vender seus produtos do que com a qualidade dos valores sociais ali transmitidos.
Um mínimo equilíbrio social
O público-alvo das novelas não é o A nem o B, mas a massa que vai de C a XYZ. É para essa zona que se destinam uma carga emocional tão forte que obriga o cidadão a enfrentar sem se queixar, como se estivesse conformado, ônibus e trens lotados e com tarifas bem acima das suas condições salariais todo santo dia; “escolher” assistir novelas na TV das 18 às 22h30 a ver um bom filme; ver novela a namorar ou dar uma olhadela no caderno escolar das crianças antes que elas adormeçam na sala assistindo as mesmas baboseiras; nunca ter tempo de conversar com a família (ou a mulher com o marido, vice-versa) sobre questões que os afetam.
Nunca será demais lembrar uma experiência positiva da TV africana usual no governo revolucionário de Moçambique, no começo dos anos 80 do século passado. No começo da novela brasileira A escrava Isaura, em off, um locutor relatava os fundamentos políticos-ideológicos de cada capítulo, orientando a audiência para as funções de cada personagem. Nos intervalos, ao invés da xaropada de anúncios, o sistema político moçambicano difundia valores sociais como honestidade, igualdade, solidariedade, fraternidade. Lá, nos anos seguintes, a participação da população na solução dos problemas coletivos aumentou consideravelmente.
Entre nós, a marca desses tempos novelísticos é o aumento da criminalidade e do individualismo. E a população está mais preocupada com o destino dos personagens no final da novela das 9 do que com o aumento do aluguel no final do mês. Como construir uma nação com o mínimo equilíbrio social com uma dispersão política desse tamanho?
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Reinaldo Cabral é jornalista e escritor