Apresentar mocinha de novela ao público e levá-la para a cama no minuto seguinte, em seu primeiro encontro com um sujeito de dreadlocks, convenhamos, é ato corajoso. Ainda que tenha tido 1h40 para apresentar seus personagens e criar o pontapé inicial de seu primeiro folhetim das 9 na Globo, Walcyr Carrasco tinha muito a contar e não havia tempo a perder com encontros preliminares entre as personagens de Paolla Oliveira e Juliano Cazarré. Melhor assim a fingir que isso não acontece na vida real.
Se Amor à Vida transgrediu a máxima de que heroína de novela não cede aos encantos do macho na primeira cantada, pecou feio por não resistir à dramaticidade de um parto natural, aquele onde a parturiente tem respiração ofegante, a equipe médica torce pela força física que expulsará o bebê do útero e a tensão máxima se instala na expressão do rosto do pai da criança. Sim, para efeito teatral, parto natural é uma bênção. Mas, para alguém com pressão alta que corre risco de vida e vira caso de emergência em um hospital bacana – o enredo se encarrega de deixar isso muito claro – opa, alguma coisa está fora da ordem. Carrasco teria outros meios para chegar ao fim desejado: matar mãe e filho, deixando o galã Malvino Salvador livre para encontrar a mocinha Paolla dentro de alguns capítulos.
Que venham dizer que isso é novela e seria preciosismo exigir da ficção uma verossimilhança que muitas vezes nem a vida real tem. De acordo. O caso não é a busca pela realidade, e sim pela lógica mínima. Novela que se apoia em situações reais para narrar seu fardo será cobrada por isso, não há outra saída.
Expectativa maior
Nada ali aponta para fábula, narrativa farsesca ou realismo fantástico. E se até Harry Potter se calça na lógica para honrar a saga de bruxo em Hogwarts, como ignorar tropeços de folhetim dito contemporâneo realista? Promovida como trama cujo cenário principal se passa em um hospital, Amor à Vida atiçou a expectativa da turma do jaleco branco, que, ao constatar a barbárie do parto fracassado, não consentiu: protestou nas redes sociais contra a irresponsabilidade da Globo. Vendo aquilo, argumentaram, grávidas do mundo real, vítimas de pressão alta, passariam a temer pelo pior. Não será de se estranhar se, em poucas semanas, surgir um Globo Repórter com leitura científica sobre casos semelhantes. É como a emissora costuma compensar episódios da ficção que geraram mal-entendidos.
E o que levaria Paolla Oliveira naquela mochilinha que a fez de cigana por algum tempo? Rímel é que não faltou, acusava o make up da moça – apesar do esforço demonstrado pela mamãe Susana Vieira, que se diz chocada ao vê-la com unhas e cabelos maltratados. Alguém reparou?
Cazarré menciona sua longa temporada em prisão na Bolívia e pede clemência: “Sabe lá o que é isso?” Teria sido uma deixa para atrair a larga massa corintiana, que sofre pela prisão de torcedores naquele país?
Mateus Solano é o malvado da vez. Não prenuncia ser assim nenhuma Carminha, mas há de promover a catarse do espectador com força muito maior que a robótica Lívia de Cláudia Raia.
Amor à Vida projeta mais expectativa que Salve Jorge, livrando-nos ainda daqueles planos de enquadramento e diálogos insuportavelmente óbvios. Entre mortos e feridos, Carrasco alinhava bons conflitos para os meses que virão e a direção captura uma atmosfera menos fake que a Capadócia do Projac.
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Cristina Padiglione é colunista do Estado de S.Paulo