Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O show do esporte

Galvão Bueno é um gênio da comunicação. Como narrador, desenvolveu um estilo próprio descrevendo partidas de futebol e corridas de Fórmula 1. Com 40 anos de carreira, é hoje a maior estrela do esporte da Globo. Conquistou este espaço graças a suas qualidades, das quais destaco cinco:

1) Apuro técnico incrível, responsável por tornar populares não apenas bordões (“Vive um drama a seleção brasileira!”) como também cacoetes terríveis (o erre esticado, por exemplo, em “Rrrrrrronaldinho”).

2) Imaginação fértil, ou talento “mediúnico”, como diz Jô Soares. É o que permite ao narrador descrever o que um jogador pensou antes de fazer determinada jogada.

3) Dom da improvisação. Só alguém que pensa rápido comete tantas gafes em uma transmissão. “Quem sabe faz ao vivo”, costuma dizer Faustão, outro campeão neste quesito.

4) Falta de bom senso e espírito de “dono da verdade”. Essas são características essenciais numa discussão esportiva em mesa de bar. Galvão gosta de impor sua visão de jogo sobre a dos comentaristas, o que é sempre engraçado. Como o antagonista da canção de Raul Seixas, ele se orgulha de ter opinião formada sobre tudo.

5) Cara de pau. Em 2010, depois que um movimento com repercussão internacional pediu “Cala boca, Galvão”, ele disse a Mônica Bergamo, da Folha: “Virei cult.”

Menos jornalismo, mais show

Há três anos, Galvão informou à Veja, com orgulho, ocupar a “posição de profissional mais bem remunerado da televisão”. Fez a ressalva que possivelmente alguns apresentadores da Globo, como Faustão, Ana Maria Braga e Luciano Huck, ganhavam mais, mas porque têm direito de fazer ações publicitárias. “Eu não tenho, e é correto não ter. Sou um jornalista. Vivo de credibilidade. Não posso aparecer tomando banho, lavando a cabeça e elogiando o xampu. Não posso fazer merchandising. Nem eu nem o William Bonner nem a Fátima Bernardes”, explicou.

Ao mesmo tempo, já há alguns anos ele vem aperfeiçoando uma explicação sobre seu trabalho que, de certa forma, coloca em questão esta ideia de que é um jornalista cujo maior capital é a credibilidade. No Programa do Jô, em maio, Galvão foi bem claro ao definir o seu ofício. “Eu sou um vendedor de emoções. O esporte é basicamente emoção. É o meu produto. Eu tento vendê-lo da melhor forma possível. Narrar é andar no fio da navalha. Usar tudo que você puder para passar emoção ao espectador sem faltar com a verdade dos fatos, a realidade.”

Jornalista ou vendedor de emoções? Quem tem cabelos grisalhos, como eu, guarda a lembrança de que, no passado recente, não havia dúvida de que estas duas posturas se colocavam em campos opostos no mundo da comunicação. Já não é assim. No momento em que começa a Copa das Confederações, o maior investimento da Globo numa cobertura esportiva em muitos anos, o papel de Galvão assume uma relevância extraordinária. O seu projeto de aposentadoria após a Copa de 2014 já foi arquivado.

Fazendo chamadas do evento, aparecendo em diferentes programas da emissora e, ainda, regendo o time de comentaristas, o protagonismo do narrador está aí para nos lembrar que o esporte na televisão é cada vez menos jornalismo e mais show.

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Mauricio Stycer é colunista da Folha de S.Paulo