A mídia, de um modo geral, e em particular a televisiva, se aproveita de fatos ou polêmicas sociais para basear a temática de suas mediações. Ela possui, na maioria dos casos, o “poder” de alimentar ideologias e/ou pautar assuntos cotidianos. Na obra Sobre a Televisão,Pierre Bourdieu (1997) afirma que “uma parte da ação simbólica da televisão, no plano das informações […] consiste em atrair a atenção para fatos que são de natureza a interessar a todo mundo, dos quais se pode dizer que são omnibus – isto é, para todo mundo” (p. 23).
Neste contexto, o Sistema Brasileiro de Televisão – SBT se apropriou das polêmicas e manifestações envolvendo a sexualidade humana e estreou, no último dia 26 de junho, o programa Gabi quase proibida, apresentado pela jornalista Marília Gabriela. A atração semanal se propõe a debater com seus convidados temas relacionados à sexualidade e à saúde, entre outros.
Apesar de ter um foco definido para as entrevistas, o programa se iguala ao outro comandado pela mesma apresentadora aos domingos, mantendo os mesmos níveis de questionamentos, cenário e estilo, além da manutenção de perguntas rápidas no último bloco. Há, claramente, no Gabi quase proibida – em contraposição a uma necessidade televisiva de mudanças e novidades –, a manutenção do tipo de atração característico de Marília Gabriela.
Produção válida e necessária
No último dia 3 de julho, foi exibido o segundo programa, no qual o Padre Beto, que também é professor, teólogo, radialista, cronista e doutor em Ética, foi o entrevistado. Excomungado por apresentar publicamente pensamentos ideológicos contrários aos difundidos pela Igreja Católica, principalmente em relação ao sexo, Padre Beto defende, entre outros posicionamentos, a experiência sexual do homem como natural e necessária para a formação de qualquer pessoa independente da orientação sexual. O padre é a favor da união homoafetiva e afirma que a Igreja Católica encara a sexualidade de uma maneira hipócrita, já que toda a vida humana perpassa por questões sexuais.
Em se tratando se assuntos polêmicos como a legalização do aborto, o padre excomungado defende o aborto até o momento em que o córtex cerebral comece a funcionar no feto, mesmo ocorrendo o estupro. Ele ainda “alfinetou” a Igreja Católica quando afirmou que, atualmente, não existe a possibilidade de os sacerdotes exporem suas opiniões abertamente e debaterem, ao contrário do que acontecia há algumas décadas. Ressaltou que esse retrocesso ocorreu a partir do papa João Paulo II, caracterizado por manter posturas conservadoras na Igreja. Entre outros aspectos, padre Beto defendeu a criação, ou evolução, de uma “igreja assexuada”, que trate a todos de maneira igualitária, independentemente das opções feitas pelos seus seguidores.
Apesar da já conhecida fórmula das entrevistas realizadas por Marília Gabriela, este debate configura uma ruptura no que se refere à postura majoritária dos programas televisivos no tocante aos posicionamentos defendidos pela Igreja Católica – uma das principais instituições influenciadoras na formação da sociedade brasileira. O meio social está em constante transformação atualmente e a Igreja Católica e a mídia (entre outros setores) necessitam se adequar aos novos anseios da população.
Apesar da semelhança com outros programas apresentados pela jornalista Marília Gabriela em outras emissoras, e também no próprio SBT, Gabi quase proibida é uma produção válida e até mesmo necessária à exploração e debate de temas polêmicos na televisão, a fim de ampliar as diversas opiniões sobre determinadas temáticas, o que pode colaborar com a formação de uma sociedade mais igualitária, na qual todos tenham o direito de defender seus posicionamentos.
Referências
BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Tradução Maria Lúcia Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
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Ana Flávia Nery é graduada em Rádio e TV pela Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, BA