Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Excesso de bravatas

Há muitas explicações para a crise da Record, mas impressiona ver a emissora não reconhecer erro algum. Bispo licenciado da Igreja Universal, Honorilton Gonçalves assumiu a superintendência executiva e de produção da Record em agosto de 2003. No ano seguinte, a emissora lançou o slogan "a caminho da liderança", embora ainda fosse a terceira principal rede de televisão do país. Fruto dos próprios investimentos, mas também da acomodação do SBT (cujo slogan era "liderança absoluta do segundo lugar"), a Record superou o rival em 2007 e, pela primeira vez, viu a Globo um pouco mais de perto.

Ao longo destes dez anos, o slogan se tornou uma espécie de palavra de ordem, gritada por executivos da emissora e repetida por fiéis espectadores em qualquer situação, seja no lançamento de novos produtos, seja em resposta a críticas à qualidade da programação. Em vez de se aproximar da líder, porém, em 2012 a Record sentiu a volta do SBT aos seus calcanhares. A luta entre as redes de Edir Macedo e Silvio Santos nunca foi tão acirrada quanto nestes últimos meses. Coincidência ou não, a emissora deu início a um doloroso processo de enxugamento de custos, demissão de pessoal e cancelamento de programas. O que aconteceu? O que deu errado? Há muitas explicações para a crise da Record, mas impressiona ver a emissora não reconhecer erro algum e, ainda, culpar os outros pelos seus maus resultados.

Assistencialismo e proselitismo religioso

Não tenho simpatia alguma por Gugu Liberato nem pelo programa que ele fazia no canal, mas foi triste ver o apresentador transformado na face mais visível da crise ao ser vazada a informação de que, eliminando-se o seu salário, estimado em R$ 3 milhões mensais, seria possível poupar a cabeça de 600 funcionários. Duas semanas depois desta notícia, no dia 7 de junho, o apresentador chegou a um acordo com a Record para a rescisão de contrato. Na véspera, o então vice-presidente da emissora, Honorilton Gonçalves, havia dito à Folha: "Esta é a fase mais importante da Record, pois estamos preparando a empresa para ser ainda mais competitiva, para o caminho da liderança. Temos a preocupação de adequar a rede à realidade atual do país e do mundo."

Menos de 30 dias depois desta entrevista, na segunda-feira, 1º de julho, foi a vez de o próprio Honorilton perder o cargo, encerrando um ciclo de uma década na casa. Foi substituído por Marcelo Silva, igualmente oriundo da hierarquia religiosa que comanda a Record. Contrariando a lógica neste tipo de mudança, dois dias depois da demissão do vice-presidente, na quarta (3/7), a empresa anunciou a troca do seu presidente: saiu Alexandre Raposo, entrou Luiz Claudio Costa.

A concorrência à Globo é necessária, mas a Record ainda não encontrou a fórmula nem os meios para levar adiante a sua proposta. A emissora tem sustentado um jornalismo de qualidade no horário nobre, mas ainda não conseguiu achar o tom da sua teledramaturgia. Pior, segue apelando a programas popularescos, a assistencialismo e ao proselitismo religioso em diversas atrações.

O excesso de bravatas ("A Record nunca esteve tão pronta para enfrentar a Globo", dizia Honorilton) pode ajudar a mobilizar seguidores para uma batalha, mas não parece ser o caminho indicado para conquistar público na televisão.