Nos últimos meses, Rachel Sheherazade,âncora e comentarista do Jornal do SBT, tem se destacado como uma das principais vozes do obscurantismo midiático. Para a apresentadora da emissora de Silvio Santos, o adultério deveria ser criminalizado, a homofobia doentia de Marco Feliciano é “liberdade de pensamento e expressão” e o programa Bolsa Família gera “parasitas sociais”.
Em uma determinada ocasião, ao comentar sobre a Justiça Federal ter negado o pedido do Ministério Público de São Paulo para retirar a expressão “Deus seja louvado” das cédulas de real, Rachel Sheherazadedemonstrou toda a sua ignorância civil:
“Liberdade, honestidade, respeito, justiça, são todos princípios do cristianismo. O mesmo cristianismo que vem sendo perseguido pelos defensores do Estado Laico. Intolerantes, eles [ateus e agnósticos] são contra o ensino religioso, são contra as cruzes em repartições públicas, e agora voltaram a sua ira contra a minúscula citação nas notas de real. É no mínimo uma ingratidão à doutrina que inspirou nossa cultura, nossos valores e até mesmo a nossa própria constituição, promulgada sob a proteção de Deus”, asseverou a âncora do Jornal do SBT.
Ora, conforme citado pela nossa Carta Magna, “é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”. Portanto, pleitear a extinção do ensino religioso nas instituições escolares e a retirada de crucifixos em repartições públicas não é sinônimo de intolerância ateísta, como pensa Rachel Sheherazade, mas simplesmente reivindicar que o Estado não favoreça determinada religião em detrimento dos demais credos.
Proselitismo religioso e preconceitos reacionários
Pois bem, na última quarta-feira (17/07), mais uma vez os ateus foram alvo da verborragia conservadora de Rachel Sheherazade. A respeito do “desbatismo coletivo”, evento que tem o objetivo de questionar o uso de recursos públicos (cerca de 118 milhões de reais, segundo o jornal O Globo) para a visita do papa Francisco, a apresentadora teceu o seguinte comentário:
“Um pequeno grupo de ateus fundamentalistas prepara uma surpresa para o papa. Prometem fazer o ‘desbatismo coletivo’ contra aquilo que chamam de imposição religiosa. Esquecem, esses ateus, que o cristianismo é uma escolha pessoal e racional, no exercício do livre arbítrio, onde até o batismo de crianças católicas precisa ser confirmado na idade da razão. Mesmo assim, esses ateus pretendem fazer barulho e alertar contra ‘os males da fé’, afrontando o papa e milhões de fiéis em plena Jornada Mundial da Juventude. Esquecem eles que a intolerância religiosa é inadmissível neste país, que garante a liberdade de crença.”
O “desbatismo coletivo” não é um ato de radicalismo ou uma afronta a milhões de fiéis, mas uma maneira bem-humorada de questionar os motivos que levam um Estado laico a financiar a estadia de um líder de uma determinada religião. A título de exemplo, nas quatro vezes em que o Dalai Lama esteve no Brasil, suas visitas foram pagas por instituições budistas. Por outro lado, intolerância religiosa não é demonstrar publicamente suas ideias laicistas. Intolerância religiosa foi a Santa Inquisição, é ridicularizar credos de origem africana ou indígena e obrigar alunos agnósticos e ateus a rezar em sala de aula.
Para finalizar seu comentário retrógrado, Rachel Sheherazade deixou transparecer toda a sua ateofobia:
“Pobres ateus. Eles não sabem o que dizem. Inconformados e incomodados pela fé, protestando contra o que não acreditam, tentando em vão apartar o homem de Deus… Irônico é que, sem Deus, não haveria nem católicos, nem judeus, nem islâmicos, nem agnósticos. Nem mesmo os ateus.”
Obviamente, não estou questionando a crença da âncora do Jornal do SBTou de qualquer outra pessoa. Afinal de contas, vivemos em um Estado laico e a todos é garantida a plena liberdade religiosa. Entretanto, quando emissoras de televisão, que são concessões públicas e atingem milhões de telespectadores, são utilizadas para proselitismo religioso e para difundir preconceitos inerentes ao pensamento reacionário, devemos realmente nos preocupar. Não é atacando determinadas minorias, como tem feito constantemente Rachel Sheherazade, que se produz jornalismo de credibilidade.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em “Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade” pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG