Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Maias modernos ganham espaço na TV

Poderia ser a mais puritana das novelas mexicanas. Em respeito ao conservadorismo local, as apaixonadas cenas de amor, habituais no gênero, foram reduzidas a mãos dadas e bitocas nas bochechas.

Não foi a única adaptação feita pelos produtores naquela que é considerada a primeira série dramática de TV falada inteiramente em um idioma indígena, o maia, e com uma trama enraizada na comunidade.

“Baktun”, que estreia neste mês na TV pública do Estado de Quintana Roo, tem os ingredientes básicos dos melodramas televisivos: cobiça, traição, intrigas familiares e amor não correspondido.

Mas “Baktun” é também uma jornada cultural, misturando crenças e cerimônias maias à história de um rapaz que emigra para Nova York para trabalhar, distancia-se da família e da comunidade, mas acaba retornando e aprendendo o valor de preservar a comunidade e não se esquecer das suas raízes. Nem da sua namoradinha da infância, que passou a se interessar pelo irmão dele.

O nome “Baktun” alude ao megaciclo do calendário maia e foi deliberadamente escolhido por causa da atenção que recebeu em dezembro passado, quando uma confusão generalizada levou muitas pessoas a afirmar que o fim do mundo estava próximo. Na verdade, um ciclo terminou, e outro começou.

No caso da minissérie, o ciclo é uma metáfora para a constante mutação nos capítulos da vida. “Quisemos mostrar que você pode continuar sendo orgulhosamente maia mesmo neste mundo moderno, com a mídia de massas e a comunicação digital”, disse Bruno Cárcamo, veterano produtor de cinema e TV responsável pela atração. “As telenovelas são populares nas comunidades maias também, mas não eram apresentadas na sua língua e na sua realidade.”

“Cidade distante”

A série de 21 episódios, também embalada como longa-metragem, foi gravada nesta remota aldeia em Quintana Roo, 225 km a sudoeste de Cancún.

A maior parte do elenco mora na vila. Numa noite recente, Cárcamo mostrou alguns capítulos da minissérie e também o filme completo em um recinto de reuniões ao ar livre.

“Nunca devemos nos esquecer das nossas origens”, disse María Elena Tuz Kuvil, 40, depois da sessão. “Eu nem acreditava que estava na nossa língua. Vejo muita novela, mas nada desse jeito.”

Muita gente disse ter se identificado com o ciclo de perdas e ganhos, pois dezenas de jovens já partiram para trabalhar em hotéis de praia ou nos EUA. Aparentemente, cada vez menos pais ensinam o idioma maia aos seus filhos, embora Cárcamo diga que 80% da aldeia o falam como primeira língua. Durante as gravações, de fato, ele muitas vezes precisava de um intérprete para se fazer entender.

“Os pais costumam dizer: ‘Aprender maia para quê? É melhor falar inglês’”, disse José Manuel Poot Cahun, 25, que faz o papel do irmão traiçoeiro.

A oferta de entretenimento em maia é escassa. O filme “Apocalypto” (2006), de Mel Gibson, ambientado durante o declínio do império maia, era quase totalmente na língua local, mas foi criticado por focar as práticas violentas da civilização.

Como o Estado de Quintana Roo financiou 60% do orçamento de 250 mil dólares, os roteiristas foram cuidadosos na escolha do vilão principal, evitando qualquer ligação com o próspero setor do turismo, que causa transtornos a algumas comunidades. Em vez disso, optou-se por um vago industrial multinacional interessado em explorar as terras dos maias.

Os roteiristas empacaram em uma tradução, então simplesmente a evitaram. Nova York é citada apenas como “a cidade muito, muito distante”.

“O que é uma York?”, quis saber Hilario Chi Canul, que interpreta o protagonista de “Baktun”.

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Randal C. Archibold, do New York Times