Os programas de humor são excelente meio para a grande mídia brasileira transmitir a sua ideologia conservadora. Sob o prisma do “politicamente incorreto”, preconceitos, estereótipos e visões de mundo são obscuramente difundidos sem que os telespectadores tenham a real noção das intenções de certas atrações televisivas. Nesse sentido, esgotados os argumentos contrários à vinda dos médicos cubanos para trabalhar nos municípios preteridos pelos seus colegas brasileiros, a TV Bandeirantes passou a utilizar os seus humorísticos para ridicularizar os profissionais caribenhos.
Sendo assim, o Pânico na Band, um dos maiores índices de audiência da emissora, exibiu alguns quadros com fictícias consultas de um cubano no SUS. No cenário apresentado pelo programa, o médico barbudo fuma charuto compulsivamente (uma clara alusão a Fidel Castro) e trata os pacientes brasileiros com extremo desprezo. Posteriormente, o profissional colocou um seio a mais numa mulher que solicitou uma cirurgia para aumento de busto. “Tu não pediste mais peitos? Coloquei mais um”, ironizou.
Em outra oportunidade, o mesmo médico esqueceu o seu charuto dentro da barriga de um paciente depois de uma operação. Não obstante, no final do quadro o narrador do Pânico na Band deixa transparecer todo o ódio da emissora paulista aos profissionais caribenhos: “Foi no SUS, tomou no Cuba. A persistirem os sintomas, o médico deverá ser processado.”
Nem conseguem ser engraçados
Por sua vez, no programa Agora é Tarde, o apresentador Danilo Gentili afirmou que após o apagão ocorrido no nordeste os médicos cubanos que atuam na região estariam se “sentindo em casa”, pois não teriam acesso a água e luz. Desse modo, na mesma “piada”, Gentili conseguiu atingir cubanos e nordestinos, dois dos alvos preferidos do pensamento conservador brasileiro.
Pois bem, ao contrário do apresentado pelo Pânico na Band, quem demonstra desprezo pelos pacientes são os médicos brasileiros que concebem a sua profissão somente como uma maneira de enriquecer ou se recusam a atuar nos rincões do país e nas periferias das grandes cidades. Já em Cuba, nação tão criticada pela mídia hegemônica, a saúde é um direito a que todos os habitantes têm acesso gratuitamente. Além do mais, a ilha de Fidel possui uma situação de segurança alimentar próxima à de países desenvolvidos, com um índice de desnutrição inferior a 5% da população. Portanto, independentemente de se tratar de uma “piada”, não faz sentido dizer que falta água em Cuba.
Por outro lado, muitos afirmam que os humorísticos não precisam ser politicamente corretos, basta serem engraçados. Entretanto, a não ser para quem se diverte ao ver pessoas em situações constrangedores, nem esse objetivo os programas da Bandeirantes conseguem atingir.
******
Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG