Resultado de alguma pesquisa ou, simplesmente, por desejo do autor, o texto de “Amor à Vida”, a novela das 21h da Globo, tem apresentado os níveis mais altos de didatismo que vi na televisão nos últimos tempos. Os bons índices de audiência, superiores aos da trama anterior, “Salve Jorge”, sugerem que a opção não é um problema –talvez seja uma solução.
Todas as situações dramáticas, os conflitos e dificuldades enfrentados pelos personagens são sempre explicados tim-tim por tim-tim por Walcyr Carrasco. Em tom de jogral, as cenas podem até perder em ritmo, mas o espectador não corre o risco de ter dúvidas. A rigor, não precisa pensar.
A prisão esta semana da protagonista Paloma (Paolla Oliveira), flagrada com drogas ao chegar da Bolívia, foi repleta de cenas que lembraram o Telecurso 1º Grau. Ainda no aeroporto, ela e o namorado, o corretor de imóveis Bruno (Malvino Salvador), foram abordados por dois agentes da Polícia Federal. “É procedimento padrão nosso”, diz um dos policiais. “Vamos lá, Paloma, é só procedimento padrão mesmo”, repete Bruno, com cara de bobo. “Não, não, não, Bruno. Não é bem assim. Eu já fiz várias viagens internacionais e nunca fui abordada pela Polícia Federal”, ensina Paloma.
Não bastasse, Carrasco e os principais atores da novela têm sido escalados para participações em outros programas da Globo com o objetivo não exatamente de promover, como é praxe, mas de esclarecer pontos aparentemente mal compreendidos da trama.
Mocinho e bandido
O ator Antonio Fagundes (César) foi ao “Domingão do Faustão” avisar o público que o seu personagem está sendo odiado por razões erradas. Malvadão, ele trai a mulher, Pilar (Susana Vieira), e não aceita que o filho, Félix (Mateus Solano), seja homossexual. “A pior faceta do César não é a traição, mas a homofobia”, esclareceu.
Fagundes também manifestou preocupação com o fato de o público ver Félix com bons olhos pelo fato de ele ser oprimido pelo pai. “As pessoas esqueceram que ele mandou matar uma criança e rouba o hospital”, alertou.
Já Carrasco, há alguns dias, no “Video Show”, tentou explicar por que uma personagem, Nicole (Mariana Ruy Barbosa), que morreu de câncer, está aparecendo diante de seu ex-marido, Thales (Ricardo Tozzi).
“Ela não é um espírito obsessor, no sentido de que ela chega para fazer mal, para se vingar, como seria o espírito de um assassino que volta. Não. Ela vem porque ele (Thales) pediu para ela voltar. Ele tinha prometido ficar com ela. Ela veio porque está presa a esse amor também.”, disse o autor.
Oferecer ao público a chance de pensar é sempre um risco. Silvio de Abreu conta, num livro recém-lançado, “Crimes no Horário Nobre”, de Raphael Scire, que enfureceu parte do público ao dar finais felizes a duas vilãs de novelas suas, Bia Falcão (Fernanda Montenegro), de “Belíssima” (2005), e Clara (Mariana Ximenes), de “Passione” (2010).
Mas Abreu se diz satisfeito com a decisão: “Ao fazer a catarse –mocinho é recompensado e bandido é castigado– não deixamos o espectador pensar. Quando o contrariamos, ele fica discutindo: por que o vilão foi solto?”.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo