Se não havia dúvida da estupidez dos programas policiais da televisão brasileira, essa impressão se reforçou na sexta-feira (6/9), quando caí no programa Cidade Alerta, da TV Record, enquanto zapeava pelos canais. Nele, a figura aterradora de Marcelo Rezende berrava notícias. Uma dessas notícias dava conta da morte de um dos homens que havia, no dia anterior, participado do resgate de um preso enquanto este aguardava atendimento em um consultório dentário em Campo Largo, região de Curitiba (PR). Na ocasião, o bando que promoveu o resgate assassinou o superintendente da delegacia local.
A polícia havia montado um cerco na casa dos acusados (sim, acusados, pois ninguém é criminoso sem que assim a Justiça o diga), que reagiram atirando em direção à polícia. As imagens do programa mostravam a prisão de um deles que gritou em direção aos jornalistas: “Eles vão me matar no mato”. Segundo informações da reportagem, o homem estava baleado e morreu quando era levado ao hospital. Esse foi o ensejo para o show de Rezende.
Rezende relatou durante o programa que quando chegara à redação naquele dia uma editora havia lhe dito a seguinte frese: “A polícia matou o cara no trajeto para a delegacia”. A afirmação irritou o apresentador (segundo seu próprio relato) que indagou da editora: “Como você sabe disso?” No que ela respondeu: “Mas não tá na cara?” O apresentador passou nesse momento a bradar palavras contra os direitos humanos e em favor do pretenso ato criminoso da polícia. Sim, Rezende admitia que a polícia poderia ter cometido o crime, mas em seu julgamento a morte do policial no dia anterior justificava a morte do acusado. No estúdio, Percival de Souza reforçou o coro de Rezende. O apresentador continuou a atacar a editora como se ela estivesse errada por se referir à ação da polícia como um ato criminoso.
A centralização na violência
Tendo uma extensa experiência jornalística, Rezende enveredou pelos programas policiais em 1999 quando se tornou apresentador do programa Linha Direta, da Rede Globo, programa no qual atores interpretavam casos de violência de repercussão nacional. Um verdadeiro show de violência. Rezende parece ter gostado da experiência, pois de lá para cá só fez esse tipo de coisa.
O discurso de Rezende em relação aos direitos humanos é o discurso corrente da grande mídia sobre este tema: uma centralização na violência pura e simples sem se deter nas suas causas, como constatei em minha dissertação de mestrado. Como bem observou o professor José Ricardo Cunha, os direitos humanos não são direitos, mas um discurso específico sobre o direito. Com isso, a mídia hegemônica lança mão de um discurso sobre os direitos humanos, como se estes fossem uma prerrogativa de criminosos. Lamentável constatar que esses programas se multiplicam na televisão e que os seus discursos se efetivam no imaginário popular.
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Francisco de Paula Araújo é jornalista, bibliotecário e mestre em Políticas Públicas