Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Por que escondem a história do “advogadinho bicha”?

Sempre que se fala em marco regulatório para a mídia no Brasil, as grandes empresas de comunicação e seus fiéis cães de guarda abrem um bocão dizendo que quem defende isso quer fazer censura e acabar com a liberdade de expressão. Não passa de uma reação arquitetada contra a necessidade que temos de regulamentar a imprensa, para acabar com certos monopólios e proteger a verdadeira liberdade de expressão.

A falta de regulação da mídia resulta em absurdos como o caso recente da gravação, pelo sistema de áudio Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso (TRE-MT), de um comentário do presidente do tribunal demonstrando desapreço e preconceito para com um advogado a quem se referiu como “advogadinho bicha”. Depois de receber a denúncia e levantar o caso, a afiliada da Rede Globo engavetou a reportagem pronta após a ida do desembargador Juvenal Pereira à sede da TV para negociar a censura.

Qual o interesse de um canal de televisão em esconder um assunto escandaloso como esse? Que ameaça teria sido feita pelo desembargador para tirar a matéria do ar? O que teria convencido o diretor da TV a censurar a reportagem? Esses questionamentos não são só meus. Muita gente está fazendo essas perguntas, sem compreender como o causador de uma notícia pode impedi-la de ser veiculada. Será que alguém que comete um erro semelhante, mas que não seja um “um poderoso”, consegue evitar que a TVCA noticie o fato?

Se um desembargador mente, a quem cabe censurá-lo?

E não é só a reportagem engavetada que está fazendo falta. É preciso aprofundar o assunto, pois o presidente do TRE disse em reunião com a OAB que ele fez o comentário referindo-se a um amigo advogado com quem ele zapeava no WhatsAppp. Ora, data maxima venia, mas isso não parece ser verdade. Quem ouve a gravação nota claramente que ele estava dando uma ordem, referindo-se a advogado do processo recém-julgado.

Por isso que a TV deveria ter aberto e debate, ao invés de engavetar e censurar a reportagem. Que interesses defende a TVCA? O dos telespectadores é que não, nem o do conjunto da sociedade. Como sempre, se a imprensa abandonar o caso, vai ficar por isso mesmo. De minha parte, como cidadão, proponho ao desembargador que mostre tanto o áudio original quanto a gravação em vídeo que o tribunal faz, embora não disponibilize. Ambos sem cortes, para que fique claro quem era o “advogadinho bicha” a que ele se referiu. Sua implicância com o advogado de uma das partes leva-nos a concluir que ele estava a favor da outra parte. Ou não?

A Ordem dos Advogados tem obrigação de levar esse caso até o fim. Se não o fizer, deve ser denunciada ao Conselho Federal. Também o MCCE e a ONG Moral devem pedir esclarecimento desse caso. Entendo que pior que a fala preconceituosa seria a possível mentira usada para tentar esconder qual seria o advogado ofendido. Se um desembargador mente num caso grave como esse, a quem cabe censurá-lo?

O microfone estava ligado

Se nada for feito aqui, o caso deve ser levado ao TSE e ao CNJ, em razão da postura nada republicana do desembargador Juvenal. O TRE deveria abrir um processo administrativo, como fez recentemente com um membro que, como professor e especialista em direito eleitoral, concedeu uma entrevista dando sua opinião sobre as mazelas da Justiça Eleitoral no país.

Sabe-se que também a Rede Globo recebeu a matéria e decidiu agir como a sua afiliada em Cuiabá. Ou seja, até a poderosa Globo teria sido pressionada a se calar, mesmo ante um fato grave como esse. Relembro dois casos semelhantes. O de Rubens Ricúpero, ministro de FHC dizendo “o que é bom a gente mostra e o que é ruim a gente esconde”, que foi em off mas vazou, e o do Boris Casoy, desrespeitando os garis. Ambos foram manchetes em toda a mídia durante dias.

Afinal, que poder é esse de um presidente de Tribunal que cala até esse gigante da imprensa nacional? Vamos debater esse tema? O que foi a história do “advogadinho bicha”? Na sessão do Pleno do TRE/MT do dia 11 de julho de 2013, durante o intervalo de um julgamento e o outro, o presidente, Juvenal Pereira da Silva, deu uma ordem a ser cumprida pelo secretário da Judiciária, nos seguintes termos: “…Fala pro Breno ir providenciando os ofícios, que esse pessoal virou sarna, esse advogadinho bicha aí…”

Como o microfone estava ligado, a conversa foi gravada e ficou durante cerca de um mês disponível no portal do Tribunal Eleitoral de Mato Grosso.

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Ademar Adams é jornalista, Cuiabá, MT