Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

O apresentador e o jornalismo ‘stand-up’

A Rede Record abraçou o personagem elaborado pelo apresentador Marcelo Rezende e o programa Cidade Alerta e um tradicional espaço do jornalismo policial passou a ser dominado por um comediante com o emblemático bordão “Corta pra mim!” O personagem é o próprio Rezende, que sem querer criou uma figura no melhor estilo Zorra Total. Como se não fosse suficiente, há os coadjuvantes responsáveis por manter o clima alegre no estúdio. Percival de Souza, comandante Hamilton e Luiz Bacci entram na onda dos “quadros” humorísticos – sem contar participações especiais de repórteres de afiliadas da Record, principalmente da região Norte e Nordeste.

59 anos de idade e 30 anos de experiência credenciam Rezende ao experimento. Isso porque sua carreira jornalística está recheada de grandes e relevantes reportagens. Porém, esse lado comédia pode minar a credibilidade de Rezende? Sem entrar no mérito do desgastante debate que ronda a nomeação de jornalista a quem não tem diploma, pode-se dizer que Rezende é jornalista – embora não tenha finalizado o ensino médio. Sua trajetória em redações começou cedo, antes de ser maior de idade (aos 17 anos). As primeiras tarefas foram com textos esportivos, um modelo de fazer jornalismo que o ajudaria mais pra frente.

Ganhou notoriedade quando passou a fazer reportagens investigativas. Na Rede Globo, Rezende cuidou de temas cruciais para a mídia brasileira. Entre os de maior relevância estão a entrevista com Francisco de Assis Pereira (conhecido como Maníaco do Parque), a denúncia do abuso de policiais da Rota na Favela Naval (em Diadema, São Paulo), material sobre tráficos de drogas na cidade do Rio de Janeiro, especial sobre a Serra Pelada… Um conjunto de trabalhos de imensa importância para o jornalismo nacional.

Ênfase no sensacionalismo

Essas produções deram a Rezende o status de repórter investigativo, focado em temas sociais e criminais, o que ficou mais marcado com a volta do programa Linha Direta à Rede Globo em 1999. O programa reconstituía crimes e fornecia pistas para ajudar a polícia na prisão de procurados pela justiça; foi primeiramente ao ar por quatro meses no ano de 1990.

Rezende participou da nova fase do Linha Direta, investindo forte na potência da Globo em fazer uma teledramaturgia de qualidade. O formato mais moderno teve aspectos do jornalismo esportivo que Rezende inseriu no conteúdo do programa. Em entrevista para o programa Duetto, da ESPN Brasil, apresentado por Paulo Soares e Antero Greco, Rezende disse que o Linha Direta tinha o pré-jogo (antecedentes do caso criminal), o jogo em si (como aconteceu o crime) e o pós-jogo (informações para prender os criminosos). De acordo com informações da Rede Globo, mais de 380 bandidos foram encontrados entre 1999 e 2007, quando o programa saiu do ar.

Após deixar a Globo, em 2000, Rezende transitou pelas emissoras da TV aberta: Rede TV, Rede Record, Rede TV (de novo) e Rede Bandeirantes até voltar para a Record em 2010. Dois anos depois ele retornou ao programa Cidade Alerta, que apresentou entre 2004 e 2005. O estilo de apresentar, com ênfase no sensacionalismo, manteve-se na segunda investida. Contudo, desde janeiro deste ano Rezende aproveitou as circunstâncias que erros na produção do programa lhe ofereceram para transformar broncas em motivos para o riso.

O risco de ser lembrado como um piadista

Gritar “Corta pra mim!” era (é) uma chamada de atenção ao vivo para que o diretor do programa “corte” a edição de imagens para mostrar uma que o destaque na telinha. De tanto falar a tal frase, virou um bordão.

Os outros elementos cômicos que o Cidade Alerta expõe foram se entrelaçando aos poucos. Como o resultado no ibope mostrou números mais do que expressivos, o jeito era manter o clima de comédia no ar. Entre janeiro e julho de 2013, o programa deixou para trás a média de 7 pontos no ibope para atingir (e permanecer) na casa dos dois dígitos. Claro que o humor teve um papel crucial nesse crescimento. Para tanto, basta observar as imitações que humoristas de outros canais fazem de Rezende. Um deles é Porpetone, que participa da A Praça é Nossa no SBT. O outro é Carioca, do Pânico na Band. Este último tornou Rezende ainda mais popular, tanto que a emissora o proibiu de imitar Rezende, pois (literalmente) estava dando ibope ao rival – Rezende concorre com o Brasil Urgente, apresentado por José Luiz Datena.

Até que Rezende tenta engatar matérias mais representativas do que o cotidiano policial. Recentemente conseguiu uma entrevista com o goleiro Bruno, preso e acusado de matar Eliza Samudio. Contudo Rezende registrou que assim que chegou à Penitenciária Nelson Hungria, na cidade de Contagem (MG), o que mais ouviu dos presos foi o bordão “Corta pra mim!” – além de “Corta pra 18!” e “Cadê o Percival?”.

Rezende não está no patamar de Pedro Bial, global que deixou o jornalismo internacional (cobriu a queda da União Soviética) para se entregar à inutilidade do Big Brother. É possível observar no Cidade Alerta um mix de jornalismo com comédia e Rezende corre o risco de ser lembrado mais como um piadista stand-up do que como um estupendo jornalista investigativo que foi.

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João da Paz é jornalista, São Paulo, SP