A ombudsman da Folha tratou em recente coluna (15/9) dos riscos que os jornalistas especializados em televisão correm ao divulgar números de audiência.
No texto, Suzana Singer observa: “Ao jornalista cabe desconfiar dos números mais vistosos e lembrar-se da máxima de que estatísticas bem torturadas dizem qualquer coisa’. Os canais de TV, do mesmo modo que as empresas, produzem centenas de dados positivos, oferecidos diariamente à imprensa. É a aposta no vai que cola…”
O alerta não poderia ter sido feito num momento mais apropriado. Não me lembro de nenhum outro período em que a divulgação de índices de audiência tenha ocorrido de forma tão aberta e agressiva quanto hoje.
Os números informados em colunas de jornal e sites, como lembra a ombudsman, “são sempre obtidos de segunda mão”, uma vez que o Ibope não os fornece ao público, mas apenas a seus clientes.
O instituto, porém, não se opõe a que as emissoras passem adiante os dados consolidados de audiência (somente a divulgação dos dados “prévios” não é autorizada). Record e SBT informam diariamente a jornalistas da área, por e-mail, números que consideram interessantes divulgar.
A Band, quando algum programa seu consegue algum resultado extraordinário, faz o mesmo. Já a audiência da maior parte dos programas da Globo é publicada, também de forma diária, em diferentes blogs.
Ambiente agitado
Essa divulgação, quase simultânea, eventualmente dá margem a confusões. Há poucas semanas, vi que Record e SBT festejaram, nas respectivas comunicações que enviaram à imprensa, a conquista da vice-liderança num mesmo horário. Como seria possível? Uma análise mais detalhada dos números, sem eufemismos, mostrou que não houve vencedoras na batalha, mas um empate.
Na luta agressiva que travam pela vice-liderança, posição fundamental do ponto de vista do mercado publicitário, Record e SBT naturalmente não fazem estardalhaço sobre uma informação que diz muito das transformações pelas quais passa a indústria audiovisual: a rigor, nenhuma das duas está em segundo lugar.
Com exceção da manhã, nas demais faixas do dia, o conjunto que o Ibope chama de “Outros Canais” já ocupa o segundo lugar no ranking das audiências. Ou seja, depois da Globo, o segundo maior contingente de espectadores está sintonizado em coisas como TV paga, internet conectada à TV, UHF, games etc.
A frenética divulgação de números de audiência ajuda a dar relevo ao impacto que a Globo, por ter a grade mais estável e longeva, tem sofrido em meio ao processo de mudanças nos hábitos dos telespectadores.
Pelo menos uma vez por semana, algum levantamento de dados feito pela concorrência chega aos sites ou colunas de jornais informando que determinado programa da Globo atingiu a sua mais baixa audiência na história. Um ponto menos destacado nestes estudos é que a audiência perdida não está migrando para os seus concorrentes diretos.
Por fim, chama a atenção neste ambiente agitado a iminente chegada ao Brasil de um concorrente ao Ibope, o grupo alemão GfK, contratado pelas principais emissoras de TV aberta, exceto a líder. É um sinal de que a guerra descrita neste texto tende não apenas a continuar, como a ganhar novos contornos.
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Mauricio Stycer é colunista da Folha de S.Paulo