A cidade de Barbacena, localizada no sudeste de Minas Gerais, é conhecida nacionalmente por dois motivos. O primeiro é a pseudo-rivalidade entre as famílias Bias Fortes e Andrada, utilizada como pretexto para escamotear o domínio feudal exercido pelos dois clãs no município há quase um século. Já o segundo motivo para a fama de Barbacena em nível nacional, o epíteto “Cidade dos Loucos” (devido ao Hospital Colônia), foi tema de uma recente reportagem do programa Domingo Espetacular, da Rede Record.
Se a alcunha barbacenense de “Cidade dos Loucos” é bastante difundida, as atrocidades que ocorreram no Hospital Colônia, maior hospício do país, são praticamente desconhecidas da maioria dos brasileiros. “De 1950 a 1980, o hospital psiquiátrico viveu uma fase de terror: a internação de pacientes que não sofriam de doenças mentais. Os pacientes vinham de trem, que passava por várias cidades do país. Os passageiros não eram informados sobre os motivos da viagem inesperada, muito menos sobre o terror que teriam que enfrentar”, asseverou o repórter Luiz Gustavo. Desse modo, indivíduos que não se enquadravam nos padrões socialmente aceitos, ou que por algum motivo “envergonhavam” suas famílias (como mães solteiras, meninas que haviam perdido a virgindade antes do casamento, prostitutas, “rebeldes” e homossexuais), eram compulsoriamente enclausurados como “loucos”.
Fotos escabrosas
Na chegada ao Hospital Colônia, os pacientes tinham que se desfazer de seus pertences e documentos, suas cabeças eram raspadas e, apesar do frio barbacenense, entravam em duchas geladas. “Perdiam a identidade e a dignidade. Não havia camas, muito menos colchões para todos. A maioria dormia no chão mesmo, forrado com capim”, denunciou Luiz Gustavo. Eles também eram submetidos a sessões de tortura e injeções. Fazia-se muito uso de eletrochoque, que era dado como castigo ou para acalmar alguém que se exaltasse. “Os pacientes eram contidos na cama, as mãos e pés amarrados com pano, e na cabeceira da cama era feito o eletrochoque”, relembrou Francisca dos Reis, ex–funcionária do Hospital Colônia. “Às vezes você poderia internar uma pessoa lúcida, mas o ambiente a fazia ficar transtornada”, salientou Jairo Furtado Toledo, presidente da Sociedade Brasileira de História da Medicina.
Para a jornalista Daniela Arbex, autora de um livro que relata as atrocidades cometidas no Hospital Colônia, o tratamento dado às pessoas internadas no hospício barbacenense lembra o que ocorreu com os judeus mandados para os campos de concentração nazista. “Perdemos 60 mil brasileiros em função das condições subumanas em que eles eram mantidos”, afirmou Daniela.
Apesar da negligência da classe psiquiátrica local – afinal de contas, muitos médicos enriqueceram à custa do sofrimento alheio –, algumas vozes se levantaram contra as barbaridades que ocorreram em Barbacena. No final da década de 1970, Ronaldo Simões, ex-chefe dos psiquiatras de Minas Gerais, escreveu um artigo sugerindo o fechamento do Hospital Colônia, mas acabou sendo demitido do cargo. Já a revista O Cruzeiro publicou uma série de fotos que mostravam pacientes nus, bebendo água de esgoto, magros e doentes.
Acontecimentos sombrios
Entretanto, de acordo com o repórter Luiz Gustavo, “apesar da repercussão da notícia [publicada pela revista O Cruzeiro], nada foi feito para pôr fim a tanto sofrimento. As denúncias de maus tratos nunca foram oficialmente investigadas e ninguém foi punido pelos crimes que aconteceram [no Hospital Colônia] por todos esses anos”.
Por outro lado, o Hospital Colônia ainda atende doentes mentais, mas, segundo sua direção atual, os pacientes são tratados com dignidade. Todavia, as memórias do ocorrido nos porões da loucura ainda são um triste fardo carregado pela psiquiatria brasileira. Nesse sentido, a Rede Record, ao trazer à tona um dos acontecimentos mais sombrios e desconhecidos de nossa história recente, presta um grande serviço à população brasileira e aos barbacenenses em especial.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG