Encontram-se pendentes de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal três ações diretas de inconstitucionalidade – ajuizadas pelo Democratas (ADI nº 4.679), pela Associação Brasileira de Radiodifusores – Abra (ADI nº 4.756 ) e pela Associação NEO TV (ADI nº 4.747) – que questionam a constitucionalidade da Lei nº12.485/2011, também conhecida como “Lei do SeAC”, que instituiu um novo e unificado marco regulatório para a TV por assinatura. Dentre os dispositivos de lei questionados pelos requerentes estão aqueles relacionados à promoção do conteúdo audiovisual nacional e independente veiculado nos canais da TV paga.
Embora o conteúdo nacional ocupe grande parte da grade de programação das redes de televisão aberta no Brasil, a situação na TV por assinatura é diametralmente inversa. Dados da Anatel de 2010 indicam que entre os canais de filmes e séries considerados mais importantes para a difusão da cultura, o conteúdo nacional respondia por apenas 1,23% da grade de programação, um número assustadoramente baixo.
A explicação possivelmente está no fato de que, como em qualquer outro mercado, a possibilidade de fornecimento em escala é fator de diminuição do preço do produto final para cada destinatário individualmente, o mesmo ocorrendo no mercado da comunicação. O conteúdo estrangeiro que hoje é predominante na TV por assinatura brasileira é em verdade um produto global, sendo certo que seu produtor dilui os custos de produção na medida em que distribui o conteúdo mundialmente. É mais barato e seguro, portanto, exibir conteúdo estrangeiro – muitas vezes de aceitação já testada no mundo todo – do que conteúdo nacional e inédito para qualquer audiência.
Mais mercado
Ainda que não existam dados confiáveis acerca da participação da produção independente no volume do conteúdo nacional distribuído, podemos supor que a mesma não é significativa. É que, atualmente, o conteúdo nacional no espectro da TV por assinatura é em grande parte produzido pelas Organizações Globo, deixando pouco espaço para a produção nacional independente.
Adicionalmente, é comum que diferentes empresas, eventualmente de um mesmo grupo, mas atuantes em etapas diferentes do processo produtivo do conteúdo audiovisual (produtoras e empacotadoras, por exemplo) firmem acordos destinados a garantir o fornecimento de programação com caráter exclusivo. Embora a medida seja contratualmente interessante para as partes envolvidas, a mesma tende a excluir do mercado as produtoras independentes.
Os números da TV por assinatura no que diz respeito à penetração dos conteúdos nacional e independente devem ser vistos com seriedade. Ainda que o serviço tenha atualmente baixa penetração no Brasil, a experiência no estrangeiro indica que a TV por assinatura ganhará mercado no país, podendo em breve se equiparar à TV aberta nos níveis de penetração nos domicílios brasileiros e, por consequência, também na importância para a difusão da cultura e informação.
A intervenção regulatória
Em outras palavras, trata-se de um serviço que, se bem regulado, pode servir como alternativa à TV aberta, cujo marco regulatório anacrônico proporcionou a solidificação de um segmento marcado pela concentração de propriedade, clientelismo político e baixa diversidade de opiniões, características incongruentes com o que se espera de um modelo de comunicação social verdadeiramente plural e democrático.
Torna-se necessária, portanto, a atuação regulatória do Estado para fazer valer na TV por assinatura o disposto no artigo 221, II, da Constituição Federal, que estabelece como princípios orientadores da comunicação social a promoção da cultura nacional e o estímulo à produção independente.
Não se trata de uma faculdade outorgada pelos constituintes ao Estado. Sempre que o funcionamento desembaraçado do mercado não se mostrar suficiente para criar um cenário propício à satisfação de todos os interesses constitucionalmente protegidos para o setor da comunicação social – dentre os quais o pluralismo e a promoção da cultura nacional e da produção independente –, a intervenção regulatória para correção dos rumos do mercado é uma imposição da Constituição Federal.
Incremento da produção independente
Foi diante desse cenário que a Lei do SeAC estabeleceu determinadas regras tendentes a orientar o funcionamento desejável do mercado, notadamente (i) obrigações positivas de conteúdo; e (ii) regras de fomento à produção de conteúdo nacional independente.
Assim é que o artigo 16 da Lei do SeAC estabelece que, nos canais de espaço qualificado – assim entendidos como aqueles cuja grade de programação seja em sua maior parte composta por conteúdo que não tenha caráter esportivo, religioso, publicitário ou de televendas –, ao menos 3 horas e meia semanais dos conteúdos veiculados no horário nobre deverão ser ocupadas por conteúdo nacional. Desse montante, metade deverá ser ocupada por conteúdo nacional independente.
No que se refere ao fomento, a Lei do SeAC previu modificações na destinação dos recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, regulado pela Lei nº 11. 437. O artigo 4º, §3º, II da referida lei passou a prever que pelo menos 10% dos recursos do fundo deverão ser destinados a produtoras brasileiras independentes, cujo conteúdo deverá ser veiculado primeiramente em canais controlados por programadoras brasileiras independentes, canais comunitários ou canais universitários. Trata-se de medida importante para o incremento da produção independente, que normalmente não obtém sucesso na tentativa de se financiar através dos mecanismos normalmente utilizados no setor privado, tais como a publicidade e o patrocínio.
Uma TV plural
Inobstante os questionamentos apresentados em face dos referidos artigos nas ações diretas de inconstitucionalidade que aguardam julgamento no STF, o marco regulatório instituído pela Lei do SeAC representa nada mais do que a utilização dos instrumentos autorizados pela Constituição para conformação de um mercado que sabidamente está funcionando em desacordo com a opção do constituinte para o mercado de comunicação social.
Ao julgar improcedentes as ações diretas de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal estará dando relevante contribuição para a construção de uma TV por assinatura verdadeiramente plural, como exige a Constituição Federal de 1988.
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Matheus Rodrigues Barcelos é mestre em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro