De passagem pelo Brasil, o executivo-chefe de conteúdo da Netflix, Ted Sarandos, analisou a trajetória do serviço de streaming e falou sobre os próximos passos do mercado: “Forçamos a concorrência a andar para frente.” Veja os principais pontos da entrevista:
O uso de dados dos assinantes
Muito se falou sobre o uso dos hábitos dos nossos consumidores quando lançamos House of cards. Não usamos essas informações para construir uma série de forma artesanal. Mas acho que temos uma vantagem em relação à concorrência. Nós conseguimos prever o tamanho do público de uma atração. Isso nos ajuda a medir o investimento. Usamos esses dados não só para nossas produções, mas também na hora de licenciar conteúdo. Isso torna a Netflix um comprador mais esperto. Acho que esse é o modelo do futuro e deve levar os outros distribuidores de conteúdo a se adaptarem. Essa é a próxima fronteira competitiva da TV.
Sobre a concorrência com a HBO
Disse que queria que a Netflix se tornasse a HBO antes que a HBO pudesse se tornar a Netflix porque eu queria que a Netflix fosse tão boa quanto a HBO na produção de conteúdo original antes que eles pudessem ser tão bons quanto a gente ao oferecer produtos sob demanda. Nessa medida, em um ano lançamos quatro séries próprias e três delas receberam indicações ao Emmy, bem como vêm tendo sucesso de audiência. Então eu diria que estamos bem avançados nesse caminho (risos).
House of cardse o Emmy
A indústria do entretenimento parece muito animada com a Netflix. Hoje mais programas podem ser produzidos e isso é ótimo para todos. Os jurados podem ter sido conservadores (ao dar à série apenas um prêmio entre as categorias principais), mas acho que eles também foram muito ousados ao indicar um modelo totalmente novo a nove prêmios, ainda mais se tratando de uma série estreante. Acho que a indústria vai levar uns anos para se adaptar. Nós só nos tornamos elegíveis ao Emmy em 2008 e essa foi a primeira vez que demos um passo em direção a esse tipo de programa.
Os próximos passos
Queremos continuar inovando. Muito do que fazemos hoje em dia não estava previsto há poucos anos. Queremos oferecer mais conteúdo próprio ou exclusivo, além de buscar inovar sempre nossos meios de entrega, o que acredito que é um desafio não só para nós, como para todos os canais de TV.
Futuro da TV
Acredito que o futuro da TV está em cada vez mais entregar conteúdo sob demanda para o público. É basicamente desobrigar o espectador de se prender à grade linear da TV tradicional.
Sobre o mercado brasileiro
Ainda estamos colocando o pé na água, testando o mercado, o serviço ainda é novo no Brasil. Nos Estados Unidos, levamos muitos e muitos anos até decidirmos fazer algo tão ambicioso quanto House of cards e antes disso tivemos uma estratégia parecida com a que adotamos no Brasil: investimos em stand-up, documentários, filmes estrangeiros.
Velho x novo
Ainda há muitos modelos antigos de distribuição e financiamento que acabam travando as negociações em certas partes do mundo para a disponibilização de certos tipos de conteúdo. Para nós, um bom acordo é poder oferecer um programa simultaneamente no mundo todo. O sistema de janela atual ainda também é um artefato da antiga mídia. Por exemplo, algumas pessoas vão ao cinema, outras não. Se essas pessoas que não vão ao cinema quiserem ver o mesmo filme que está em cartaz, não vão poder. Mas não é porque eles estão em casa que não “vão ao cinema”. Temos que oferecer experiências diferentes para diferentes tipos de pessoas.
O panorama da televisão atual
Hoje os melhores roteiristas estão na TV. Alguns dos maiores atores do mundo estão sendo atraídos pela TV. Porque o que acontece no lado do cinema é que, conforme mais filmes se tornam blockbusters, eles dependem menos de bons roteiros e boas atuações em detrimento de muita ação e muitos efeitos. Então quem busca um trabalho de alta qualidade está procurando na televisão um público mais segmentado.
Parcerias com cineastas
Os irmãos Wachowski estão fazendo Sense8, uma série para a Netflix. Eles sempre lutaram com o modelo de duas horas de duração dos filmes e nós quisemos dar espaço para que pudessem criar uma mágica real, como fizeram com Matrix. Adoraríamos trabalhar com Quentin Tarantino, um cara que tem rodado filmes muito longos e precisa cortá-los. Quem cria filmes épicos, longos, tem problemas para entregar um filme de duas horas.
Netflix x TV tradicional
Os consumidores cada vez mais têm necessidade de consumir produtos sob demanda. Eles estão engajados com o conteúdo e o que eles fazem com isso? Assistem a mais conteúdo. Isso tem sido muito bom para a TV tradicional, ao passo que as pessoas descobrem séries que já estão no ar e passam a acompanhá-las pela TV. Fora que a TV tradicional é perfeita para esportes, notícias e programas de competição, coisas que não temos como fazer. A Netflix acaba forçando a concorrência a andar para frente.
Netflix x pirataria
A solução para a pirataria é ter um conteúdo bem distribuído e com bom preço. Muitas pessoas estão felizes por pagar por um conteúdo que elas vão ter quando quiserem. Disponibilizar conteúdo que as pessoas querem acessar é uma boa alternativa. Toda vez que lançamos algo licenciado, sabemos que a busca por aquele material nos sites de torrent cai, enquanto a nossa audiência aumenta.
Séries x filmes
Investimos mais na produção de séries do que filmes porque podemos influenciar e mudar o modelo de distribuição vigente, fazendo coisas como lançar todos os episódios de uma vez, ou mesmo comprimir a janela de tempo entre a exibição nos Estados Unidos e o resto do mundo. Filmes já são distribuídos de muitas maneiras diferentes: cinema, TV, DVD… Nossos assinantes também parecem preferir programas de TV por conta de suas muitas horas de engajamento. Mas não há uma distinção do tipo “não queremos fazer filmes, só queremos séries”. Não é isso.
Rapidez de lançamento
Lançamos seis séries exclusivas em menos de dois anos. Ainda acho pouco! Fizemos isso porque o gosto do público é variado. Acho que ninguém que ama Hemlock grove assiste a House of cards. E nós ficamos felizes com isso: temos diferentes públicos, diferentes gostos e diferentes culturas para oferecer programas diferentes. Meu sonho mesmo é lançar umas 20 séries por ano, com intervalos de poucas semanas entre elas.
Sobre Breaking bad
Vince Gilligan tem sido muito generoso por agradecer à Netflix, inclusive no palco do Emmy. Isso porque a série provavelmente seria cancelada no terceiro ano caso ela não tivesse entrado para o catálogo da Netflix e conquistado milhões de espectadores. Gente que jamais acompanhado a série pela TV e que passaram a fazer isso na quarta e na quinta temporada, depois da parceria com a Netflix. Breaking bad chegou a deixar de ser exibida no Reino Unido, mas Netflix a levou de volta, lançando os novos episódios semanalmente com exclusividade por lá. E até hoje tem chegado novos fãs. Diante de toda a excitação em torno do fim da série, essa semana o episódio mais assistido de Breaking bad na Netflix foi o piloto. Novas pessoas ainda estão descobrindo a série. Isso virou um ótimo símbolo de como Netflix pode ser útil para os consumidores, os canais de TV e os criadores. Todo o ecossistema da TV.
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Liv Brandão, do Globo