Wednesday, 04 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

A TV brasileira não reflete, esconde o Brasil

Parece que alguns parlamentares já esqueceram as “vozes das ruas” gritadas em junho. Com desfaçatez, seis senadores e seis deputados decidiram regular por conta própria o dispositivo constitucional que determina a regionalização da programação de rádio e TV no país.

Atropelaram, em poucas horas, um debate que se trava no Congresso há exatos 22 anos. A concentração histórica das programações no eixo Rio-São Paulo faz com que o Brasil não conheça o Brasil. Por isso, os constituintes em 1988 escreveram na Constituição que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão ao princípio da regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”. Só que essa lei nunca saiu.

Iniciativas para elaborá-la não faltaram. O projeto mais antigo é de 1991, da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Levou doze anos para ser aprovado na Câmara dos Deputados e está há dez parado no Senado. Por ele, as TVs ficariam obrigadas a veicular, entre as cinco da tarde e a meia-noite, programas produzidos regionalmente. Seriam no mínimo 10 horas e no máximo 22 horas por semana de programas regionais, dependendo do número de domicílios com TV existente na área coberta pela emissora. Esse tempo deveria aumentar, em cinco anos, para o mínimo de 22 e o máximo de 32 horas.

Cláusula contrabandeada

A ampliação do mercado de trabalho para produtores independentes é um dos pontos centrais do projeto. Hoje quase toda a produção televisiva é realizada pelas próprias redes nacionais, concentrando-se no eixo Rio-São Paulo. Se a lei fosse aprovada, 40% dos programas regionais exibidos deveriam ser realizados por produtoras independentes contemplando obras de ficção, documentários e teledramaturgia, dando oportunidade de trabalho a novas gerações de realizadores espalhados por todo país. O resultado, para o público, seria – além de conhecer melhor a sua própria região – desfrutar de experimentos narrativos capazes de romper com mesmice crônica da televisão brasileira.

A aprovação na Câmara deu-se depois de longas e árduas negociações da autora do projeto com as emissoras e com os deputados que as representam. Remetido ao Senado empacou outra vez e a explicação para isso é simples: 25% dos senadores detém concessões de TV.

Pois foi justamente um deles, Romero Jucá (PMDB-RR) que tornou-se relator da Comissão dos 12 parlamentares surdos às vozes das ruas. Com caráter terminativo, ou seja a decisão por eles tomada vai direto ao plenário, derrubaram em poucas horas os propósitos dos constituintes de 1988 que estavam, sem dúvida, contemplados no projeto original.

A regulação estabelecida pela comissão chega a ser um escárnio. Considera os horários obrigatórios de propaganda política e as redes nacionais para o pronunciamento de autoridades como “produção regional”. Assim como programas religiosos e jogos de futebol. Como não estabelece classificação de horários, as cotas regionais podem ser perfeitamente cumpridas durante a madrugada. Além não fazer nenhuma menção à produção independente.

Mas os absurdos não param por aí. Aproveitaram a oportunidade para enfiar no relatório uma cláusula que dá as emissoras o direito de acesso a 5% dos recursos do Fundo Nacional de Cultura que tem, neste ano, um orçamento de R$ 260,2 milhões. A justificativa é de “incentivar” a regionalização.

Solução equivocada

Fica difícil entender a necessidade desse incentivo para uma programação regional baseada em programas religiosos (pagos pelas igrejas) e de mensagens políticas (dedutíveis do imposto de renda), como prevê o relatório do Senador Jucá.

Triste solução para um problema grave. É inconcebível que um país com as dimensões e a diversidade cultural do Brasil mostre, por exemplo, todos os dias pela TV, os congestionamentos nas marginais paulistanas. O que isso interessa ao telespectador do Acre ou do Rio Grande do Sul? Escondendo, ao mesmo tempo, acontecimentos locais importantes. Infelizmente para mudar esse quadro a solução encontrada pelos parlamentares reduziu-se a um oportunismo mesquinho.

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Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP e autor, entre outros, de A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho