Antes de escrever este texto, recorri ao arquivo deste Observatório para relembrar as vezes em que comentei os problemas que as emissoras de TV têm para se adequar ao processo de avanço tecnológico que propicia maior participação do público. No caso do futebol, a intervenção do torcedor segue sem encontrar parâmetros adequados, entre os extremos da leitura de muitos comentários e brincadeiras em mídias sociais ou abrir um pequeno espaço para que uma pergunta do telespectador seja lida.
A Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão dos campeonatos de futebol no Brasil, vem tentando diferentes coisas para criar um laço com o público. A emissora que criou um formato de enquetes através de votação telefônica para que o público decidisse o final das histórias do Você Decide, ainda na década de 1990, voltou ao formato para as transmissões deste esporte.
Eu comentei em outro momento (“O novo bate-papo para a transmissão do futebol“) que após uma frustrada tentativa de escolher um vídeo por tempo de jogo para mostrar na transmissão, a emissora, que já via isso como algo ruim – porque o público reclamava da interrupção da narração da partida para mostrar um torcedor “excêntrico” em casa –, teve seu exemplo derradeiro numa partida entre Botafogo e Palmeiras pela Copa Sul-Americana de 2012, quando saiu o gol palmeirense enquanto aparecia um vídeo com um torcedor botafoguense cantando o hino do clube.
Testar a criação de conteúdo
A Globo voltou ao modelo antigo, com a leitura da “pergunta do internauta” em cada etapa, enquanto testou novos formatos do programa Futebol 2013, com o que eu chamei na época de “novo bate-papo para a transmissão do futebol”, em que os torcedores cujas reações eram mostradas eram famosos – algo que continua com menor força durante o Brasileirão.
Em meados do torneio nacional, após a Copa das Confederações, surgiu o Vote agora, em que uma ou duas enquetes são feitas durante as partidas. A pergunta serve também para que o público sirva como comentarista e dê a sua opinião, porém, isso se dá com um formato de interatividade longe do ideal, já que ocorre através de opções já prontas. É o tipo de interatividade voltada apenas à reação, em que opções e realimentações são dirigidas, com mínimo controle do usuário sobre a estrutura do conteúdo. Os narradores globais pedem para que os torcedores que costumam ver os jogos com tablets, smartphones ou notebooks entrem no site Globoesporte.com e façam a escolha. Aqui, há a certeza da presença de outras telas ao lado da TV e se busca manter o telespectador que fica conectado em paralelo às mídias sociais.
Há pouco tempo, as transmissões buscavam antes ou no intervalo pessoas que estivessem assistindo ao jogo pelo celular no estádio, com os locutores pedindo para que acenassem para a câmera mais próxima. Hoje em dia, algumas telenovelas da emissora apresentam pequenas entradas com alguma personagem assistindo um programa pelo smartphone ou tablet. Além disso, algumas propostas na ficção já foram utilizadas para testar a criação de conteúdo específico para outras mídias, complementando a transmissão principal, realizada pela televisão.
Novas alternativas de interatividade
Num texto mais recente (“O problema das TVs com as mídias sociais“), apresentei dados sobre a importância de se manter este novo telespectador, que divide sua atenção entre diversas telas. Permanecendo na análise de programas esportivos, segundo a pesquisa Esporte Clube Ibope Media, divulgada em 2011, das pessoas que assistem esporte pela TV ou na arena no Brasil, 58% o faz de maneira a consumir simultaneamente mais de um meio de comunicação, com maior sobreposição de TV + internet, que representa 30% do valor anterior.
Só que uma das coisas que me fizeram falta neste pedido dos narradores é a utilização da interatividade possibilitada pelo Sistema Brasileiro de Televisão Digital-Terrestre (SBTVD-T), um dos principais argumentos para a opção de aprimoramento do padrão japonês, além da mobilidade do sinal. Se a última vem sendo estimulada, uma simples enquete destas poderia usar o canal de retorno da transmissão digital como mais uma alternativa para a votação, principalmente porque não faria com que o telespectador desviasse a sua atenção para outra tela.
Com o apagão analógico marcado para 2016, parece-me cada vez mais que um dos grandes triunfos sociais para a TV digital segue relegada, vendo o estímulo muito maior para a melhor qualidade do sinal, a mobilidade da transmissão e, consequentemente, para a aquisição de TVs conectadas. Como 2014 é ano de Copa do Mundo Fifa, evento que historicamente num contexto mundial é marcado por inovações tecnológicas na transmissão comunicacional, resta esperar para que o fato de o evento ser no Brasil estimule novas alternativas não só para a exibição – e nas diferentes telas possíveis –, mas também na utilização pelos grandes meios de comunicação da interatividade que é possibilitada pelo SBTDV-T.
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Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação