Um rastilho de indignação correu as redes sociais na semana passada, desde a noite de segunda-feira (21/10), quando a ex-senadora Marina Silva foi entrevistada pelo Roda Viva, da TV Cultura. Em virtude de um problema operacional, o programa não foi retransmitido pelas emissoras da TV Brasil e de sua rede de afiliadas.
Sendo a TV Brasil ligada ao governo federal e a entrevistada uma personalidade de oposição a esse mesmo governo, a soma das circunstâncias foi o suficiente para que muitos apontassem o dedo: censura! Dilma teria vetado o Roda Viva porque estaria apavorada com o avanço da antagonista, embora nem candidata ela seja mais e, segundo as pesquisas, não transfira todo o seu patrimônio de votos ao parceiro Eduardo Campos.
A entrevista com Marina Silva foi ao ar na Rede Brasil na terça-feira, 22/10, na íntegra, sem cortes. A líder sonhática teve 90 minutos para desenvolver o seu bolodório prolixo para menos de 1% da audiência, nas cidades onde foi vista. Com tal apoio de mídia, portanto, terá liquidado com Dilma e Aécio, e assegurado o triunfo de Eduardo em 2014…
As legiões de marinistas ultrajados podem celebrar a vitória contra a “censura”, se quiserem. E já podem voltar à sua habitual indiferença em relação à TV pública. Nisso, aliás, eles têm a companhia de todas as demais correntes políticas, à esquerda e à direita, acima e abaixo.
Televisão pública alijada
Televisão pública é aquela que ninguém vê, desconhece a programação e nem sabe em que canal passa. Só é lembrada em época de campanha eleitoral, que agora é e será permanente no Brasil, enquanto os opositores não apearem o PT do poder. Se der argumento, eventualmente, para a oposição bater no “lulodilmopetismo”, ela entra no radar. Senão, permanece na obscuridade.
Seria muito útil que a cidadania reservasse um átimo dessa indignação, demonstrada em defesa de Marina Silva, para apoiar a TV pública brasileira. Ou que, ao menos, lembrasse que ela existe. Pois a referida está vegetando, presa no limbo da falta de recursos, da burocracia estatal, do dirigismo político em muitos locais, da concorrência desigual da televisão privada e de outras tantas contingências incontornáveis.
Agora mesmo, por exemplo, a televisão pública está para ser expropriada de um patrimônio que nem teve tempo de incorporar. O plano de implantação da TV digital no país reservou para os canais públicos a faixa de frequência dos 700 MHz (canais 52 a 69 UHF), que tem a configuração ideal para serviços interativos, tanto de educação e cultura, quanto de utilidade pública e cidadania. Serviços que vão de telecursos ao agendamento de consultas no SUS.
As emissoras públicas pretendiam explorar essa faixa conjuntamente, através de um Operador Nacional de Rede Pública. Isto é, uma estrutura técnica e operacional única, que organizaria toda a banda disponível dentro dos 700 MHz e a distribuiria às emissoras conforme as suas necessidades.
Somando esforços, as emissoras públicas investiriam menos em digitalização e teriam mais facilidades para cooperar, formar redes, potencializar seu alcance. Afinal, são mais de 300 as estações públicas geradoras de programação no país, e passam do milhar as retransmissoras e repetidoras. Juntas todas elas, seriam fortes e poderosas.
Mas a Anatel e o Ministério das Comunicações querem entregar os 700 MHz para as empresas de telecomunicações acomodarem os celulares 4G, Tudo indica que vão conseguir e a televisão pública será expulsa para os cafundós do espectro radioelétrico. Os canais públicos terão mais dificuldade para ocupar a TV digital e vão gastar mais dinheiro com isso. Até porque o projeto do Operador de Rede está abandonado pelo governo, não tem o mais remoto apoio no momento.
O novo e o velho
A indignação da cidadania poderia visar também a obstrução judicial que as Teles fazem à Contribuição para Fomento da Comunicação Pública, criada com parte dos recursos do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações. Desde 2009, os valores devidos por essa taxa são depositados em juízo pelas empresas. Já somam quase R$ 1,5 bilhão, uma dinheirama que, em quatro anos, já teria produzido grandes avanços na programação, no elenco e na estrutura técnica da televisão pública.
Mas, quem luta pela CFCP? Ou mesmo, quem sabe dela, se a mídia privada não informa, apenas deforma o noticiário e os comentários sobre a TV pública?
É muito bom termos uma cidadania vigilante contra eventuais abusos de censura. É democrático que os marinistas critiquem o que consideram manipulação da mídia contra a líder de sua corrente. Mas convém que atentem também para os problemas da televisão pública, que luta contra o mau gosto, a baixaria, a apelação, a burrice, a desinformação, o preconceito e o consumismo extremado, ainda tão comuns na TV comercial privada.
A “nova política” nunca existirá, enquanto reinar soberana apenas essa velha televisão.
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Gabriel Priolli é jornalista e diretor de TV