Numa mesma semana, o destaque por alcançar pela primeira vez a liderança na audiência, ainda que apenas numa única cidade, e a greve dos funcionários que quase parou a emissora. Se TVs comerciais têm seus momentos de dificuldade, as não privadas sofrem ainda mais num país que não desenvolveu este tipo de comunicação. Em meio a isso, a TV Brasil ainda não decidiu se transmite futebol em 2014. São várias as questões a se apontar no investimento da Empresa Brasil de Comunicação – já que as rádios também transmitem os jogos – na Série C. O tema foi discutido, ainda que menos que o ideal, quando do anúncio da volta da transmissão pelo canal público, como nós fizemos neste espaço (ver “A volta do futebol à rede pública de TV“).
Nesta temporada, a TV Brasil vinha conquistando bons resultados de audiência para quem tem dificuldades a chega a 1 ponto nos grandes centros brasileiros. Em Pernambuco, a afiliada TV Universitária chegava a médias acima de 8 pontos com os jogos do Santa Cruz. Na capital cearense, a TV Ceará chegou a médias de 3 pontos mesmo com má qualidade no sinal, nas partidas do Fortaleza. No último domingo, com jogo transmitido no mesmo horário da Série A, a emissora atingiu a média de 11,5 pontos, com picos de 19,4, para a transmissão de Santa Cruz 2X1 Betim, jogo que definiu o último classificado para a Série B de 2014. Enquanto isso, a TV Globo atingiu média de 8,5 com jogo da Série A.
O resultado garantiu a liderança na audiência, representando mais de 200 mil domicílios sintonizados na transmissão da TV Brasil numa partida que teve mais de 60 mil torcedores no estádio do Arruda. Esse caso rompeu também com o discurso antigo de clubes que a transmissão para o local onde é realizada a partida prejudica a bilheteria, o que não necessariamente ocorre, pois depende de outros fatores, como a segurança nos estádios.
A “tradição” em exibições de futebol
Há algumas semanas, noticiava-se que a EBC está em dúvida se deveria continuar transmitindo a Série C no ano que vem, lembrando que em 2011 a emissora desistiu de exibir o torneio meses antes de ele começar. Se dá audiência, o campeonato custa caro. Este ano, estimava-se que R$ 9 milhões seriam gastos entre direitos de transmissão e custos de produção.
Por um lado, há o potencial dos clubes. Santa Cruz, Sampaio Corrêa e Vila Nova, três dos quatro clubes que ascenderam à Série B, são tradicionais nos seus Estados. Com transmissão em TV aberta, mesmo em paralelo com a TV fechada (SporTV), é natural que o torcedor que sabe que a partida de seu clube será exibida que sintonize o canal. Isso também vale para clubes como CRB, Fortaleza, Treze e Caxias, que seguem na Série C no ano que vem, assim como Juventude e Botafogo-PB – que subirão à terceira divisão.
Outro ponto de vista que pode ser analisado neste caso é a qualidade da retransmissão nos Estados, como apontado no caso do Ceará, mas que vem a ser comum nos casos das TVs públicas, sejam elas estatais ou universitárias. A TV Universitária de Pernambuco surgiu em 1968, sendo a mais antiga deste tipo no Brasil. A emissora costuma transmitir jogos dos times locais, ou seja, não é novidade ao público. Casos parecidos com a Cultura do Pará, que retransmite também pela web, e da TV Aldeia, no Acre. Mas, em outros casos, não só falta essa “tradição” em exibições de futebol. Muitas emissoras apresentam sérias dificuldades em manter equipes de jornalismo e produção básicas para fazer conteúdo local, mesmo comparando com a quantidade de programas regionais que se costuma exibir nas afiliadas de TV no país.
O exemplo argentino
Em pleno processo de digitalização da transmissão de TV de forma gratuita no país, há emissoras não comerciais cujo sinal mal consegue abranger toda a capital de seu respectivo Estado. Algo que o projeto de se criar um operador de Rede Pública de TV digital, em estudo/debate a partir do governo federal, pode ser essencial para a resposta a esse grande avanço na tecnologia, que exige equipamentos mais caros e equipe especializada. Há também as dificuldades legais existentes para que TVs não comerciais possam ter a chance de concorrer em mínimas condições no mercado brasileiro. Como se comprova em vários momentos de diferentes emissoras, caso da Rede Minas este ano, há as restrições às contratações, com a necessidade de realização de processo seletivo.
A discussão sobre investimentos públicos num bem cultural que gera tanto dinheiro em torno, como o futebol, também sempre aparece para negar tamanho gasto de uma TV ligada ao poder público num esporte massivo. Ainda que as dimensões do Brasil reflitam também as muitas contradições socioeconômicas vividas também quando o assunto é futebol. Por exemplo, enquanto São Paulo tem quatro divisões, e já foram mais, estados da região Norte têm dificuldade para juntar oito clubes para uma divisão.
O investimento do governo argentino, através do programa Fútbol para Todos, tornou-se caso recorrente. De um lado, a compra dos direitos de exibição de torneios argentinos de futebol – que paga muito mais que a Torneos y Competencias, ligada ao Clarín – permite ao telespectador argentino ver as partidas ao vivo em TV aberta, o que não ocorria antes, ao mesmo tempo em que há a utilização deste programa para fins políticos.
Saber divulgar os outros programas
Voltando ao Brasil, é importante recordar também que este é um momento de reestruturação em, pelo menos, três redes nacionais de TV. Rede TV!, Band e Record vem fazendo mudanças estruturais importantes para readequar custos. Focando no futebol, a Band já informou à Globo que não sublicenciará a Copa do Brasil e a Série B do ano que vem, mesmo com bons resultados de audiência aos sábados com as partidas do Palmeiras na segunda divisão e a possibilidade de outro clube com muita torcida de disputar o torneio em 2014.
No campo não comercial, a TV Cultura de São Paulo também vem num processo de reestruturação para diminuir o prejuízo acumulado nos últimos anos. Este processo chegou ao ápice no cancelamento de Cocoricó, exibido desde 1996. Além disso, gerou a mudança no comando do tradicional programa de entrevistas Roda Viva por conta dos salários do então apresentador Mário Sergio Conti, que foi substituído por Augusto Nunes em meados deste ano.
Como comentei no texto anterior sobre o tema, apesar de vários problemas sobre os gastos na transmissão – que poderiam ser utilizados, por exemplo, para o incentivo de festivais e produtos audiovisuais independentes –, com seis anos de existência, o programa futebol seria algo essencial para atrair a audiência para a TV Brasil. Pelos resultados, isso vem sendo alcançado. Porém, agregado a isso, era e continua sendo necessário saber publicizar os outros programas da emissora, fidelizando o telespectador para outras áreas, como exige o modelo de TV generalista, que ainda prepondera no país.
Uma alternativa real
É claro que para quem gosta de futebol quanto mais transmissões em TV aberta, melhor. Especialmente porque há jogos diferentes de outros canais e na maior parte deste ano num horário alternativo, às 19h, que é bom para quem pratica, para quem está em casa vendo pela TV e para quem vai aos estádios.
Entretanto, em meio aos sérios problemas estruturais que persistem em muitas afiliadas regionais – por interesses variados que exigem estudos específicos em cada Estado, especialmente por diferentes comandos políticos –, e a própria greve dos funcionários/servidos públicos da TV Brasil, há muito para se investir no básico para que uma TV possa funcionar. Eximir-se de concorrer a qualquer custo não significa transmitir para ninguém, mas ser uma alternativa real no mercado de comunicação.
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Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação