Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Três instantâneos do domingo

A noite de domingo é uma das faixas horárias de maior competição na TV aberta brasileira. Destaco três instantâneos da última semana (10/11), que dão uma ideia a respeito das armas –sensacionalismo, engano, constrangimento, mau gosto e baixaria– utilizadas para a conquista do público.

Na Record, o “Domingo Espetacular” (10 pontos no Ibope; cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande São Paulo) explorou o caso do “rei do camarote”, o tal Alexander de Almeida, que apareceu na “Veja São Paulo” contando que gasta até R$ 50 mil numa noitada. Com quatro repórteres (um em Portugal), ao longo de 25 minutos, o programa se propôs a mostrar “o que é verdade e o que é farsa nesta história”.

A certa altura, em tom grave, a reportagem destacou que um site, chamado N.E.D., havia publicado um texto intitulado “Fim da farsa”, no qual garantia que Alexander seria, na verdade, “um estudante de direito de 26 anos que mora com os pais”.

Uma visita ao N.E.D., mantido por advogados e estudantes de direito, mostra que muitos textos, como o citado pela Record, são publicados sob a rubrica “embuste”, dedicada a “notícias que até poderiam ser verdadeiras, mas não são”. O espectador, porém, não foi avisado disso.

Na Band, o “Pânico” (5 pontos no Ibope), entre os muitos assuntos que tratou, dedicou 11 minutos para a polêmica das biografias. No aeroporto de Congonhas, em São Paulo, o repórter Rodrigo Vesgo tentou entrevistar Caetano Veloso e Gilberto Gil.

“Só eu e ele”

Abordados em momentos diferentes, ambos deixaram claro de imediato que não queriam falar. Vesgo insistiu com Caetano, enquanto ele andava pelo aeroporto, por 90 segundos. “Eu falo sobre o assunto nas minhas colunas no jornal. Não quero ficar falando pra criar confusão”, disse o músico. “Não quis falar, se esquivou, não respondeu nenhuma pergunta”, concluiu Vesgo.

Com Gil, apresentado como “Rei do Acarajé”, o assédio foi mais longo. Por cinco intermináveis minutos, Vesgo perseguiu o músico pelo aeroporto, sem arrancar uma única palavra dele. Alguns trechos do que o repórter disse: “Tá censurando as próprias respostas, Gil? Se você ficar calado, vai ser pior, Gil. Se você quiser continuar calado, é ruim. Você não é uma pessoa pública? Infelizmente, Gil, muito obrigado por sua entrevista maravilhosa. Tá igual os livros que você quer proibir”.

Já o “Fantástico” (17 pontos no Ibope) fez alarde sobre a entrevista com a mulher que filmou o cantor Justin Bieber em uma cama, dormindo, durante a sua visita ao Brasil.

A conversa com Tati Neves durou cerca de dois minutos, em uma reportagem de sete. “Das tantas mulheres que passaram pela mansão alugada, uma ganhou 15 segundos de fama com um vídeo”, diz a repórter, ampliando e dando relevância a esse tempo de fama.

Um trechinho do diálogo: “E agora a pergunta que milhões de fãs querem saber: o que você estava fazendo lá dentro?”. Tati: “Eu dormi lá e acordei. Ele estava dormindo e eu falando com uma amiga”. Fantástico: “Você tinha dormido com o Justin Bieber?”. Tati: “Sim”. Fantástico: “Rolou ou não rolou?”. Tati: “Se ele disse que não, eu vou afirmar que não”. Fantástico: “Nem um beijinho? Beijou o Justin Bieber?”. Tati:” O que você acha, se eu estava dormindo com ele no quarto, só eu e ele?”.

Para quem ficou diante da TV, um domingo interminável.

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Mauricio Stycer é colunista da Folha de S.Paulo