A APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) divulgou nesta semana os seus prêmios referentes a 2013. O corpo de jurados de televisão, entre os quais há jornalistas da maior competência, mas nenhum crítico, curiosamente, distribuiu os troféus de praxe, com exceção de um, dedicado à melhor novela.
Não é a primeira vez que o júri age desta forma, mandando o recado que nenhuma produção mereceu o prêmio. Até entendo a rejeição a “Amor à Vida”, o principal produto da Globo em 2013, que será lembrada como uma homenagem às novelas mexicanas. Mas me surpreende que as qualidades de duas outras tramas tenham sido ignoradas.
“Pecado Mortal”, em exibição na Record, e “Sangue Bom”, que a própria Globo mostrou, são produções com atrativos suficientes para serem saudadas, no cenário atual, como novelas de qualidade.
A primeira, ambientada no Rio em 1977, descreve o momento em que os chefões do jogo do bicho começam a ser substituídos, no comando do crime e das favelas, pelos traficantes de drogas.
A novela é escrita por Carlos Lombardi, que trabalhou na Globo por três décadas e, após passar alguns anos sem conseguir emplacar um projeto, aceitou o convite da Record.
Famoso por suas comédias, o autor aventurou-se pelo terreno da trama policial, com ramificações políticas e sociais. Os personagens de “Pecado Mortal” vivem um mundo em que basicamente se luta por poder, dinheiro e sexo. É uma novela adulta, com diálogos inspirados, boa direção, alguns ótimos atores e muita ação.
Tratamento inteligente
Coincidência ou não, desde que “Pecado Mortal” começou a ser exibida, às 22h30, “Amor à Vida”, na Globo, passou a terminar mais tarde. Há dias em que a trama de Walcyr Carrasco é esticada até as 22h45.
A tática de guerrilha, tudo indica, não é novidade. Silvio de Abreu já contou que, em 1990, esticava os capítulos de “Rainha da Sucata” para combater “Pantanal”, de Benedito Ruy Barbosa, na Manchete.
Para decepção da Record, “Pecado Mortal” está próxima de completar três meses no ar sem conseguir uma boa audiência. A novela tem registrado de cinco a seis pontos no Ibope (cada ponto equivale 62 mil domicílios na Grande São Paulo), o que configura um claro insucesso.
Já “Sangue Bom”, exibida pela Globo entre 29 de abril e 1º de novembro, no horário das 19h30, foi uma comédia inteligente e provocadora, que discutiu entre outros assuntos como se constrói artificialmente a fama nos dias de hoje.
Sempre rindo, a novela de Maria Adelaide Amaral e Vicent Villari traçou um retrato irônico do mundo das aparências em que vivem os atores de televisão e, por meio de uma personagem, mostrou a perversidade e a hipocrisia de jornalistas que acompanham o universo das celebridades.
Ninguém está dizendo que “Pecado Mortal” ou “Sangue Bom” inovaram no gênero. Cada uma à sua maneira, porém, ambas merecem ser saudadas pelos críticos. Entre outros méritos, a trama de Lombardi, ainda em andamento, ajuda a explicitar a fragilidade da novela que a Globo tem usado para combatê-la. E, da mesma forma que a história de Maria Adelaide e Villari, mostra que o espectador pode ser tratado com inteligência. Não é pouca coisa.
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Mauricio Stycer é colunista da Folha de S.Paulo