Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A tradição vespertina na TV

A faixa de horário vespertina “Vale a Pena Ver de Novo” foi criada pela TV Globo em maio de 1980 com o objetivo de reprisar telenovelas de seu arquivo. Antes disso, a emissora já reprisava algumas de suas obras de teledramaturgia, mas sem uma faixa exclusiva para exibição.

Nesta semana, um fato inédito está ocorrendo no “Vale a Pena”: duas novelas estão sendo exibidas simultaneamente. “O Cravo e a Rosa”, que está em sua última semana, e “Caras e Bocas”, que acaba de estrear. Ambas de autoria de Walcyr Carrasco.

No ano de 2013, como uma estratégia de programação, a TV Globo já havia flexibilizado a sua grade vespertina ao inverter o “Vale a Pena” com a faixa de filmes também tradicional “Sessão da Tarde” em algumas cidades.

Uma reapresentação que foge do padrão das novelas na faixa de horário do “Vale a Pena” foi a do programa “Você Decide”, que era um programa interativo, em que o público decidia por telefone o final de uma determinada trama. Durante três semanas de 2001, o formato foi testado com a apresentação de Susana Werner e com uma novidade em relação à versão original: a possibilidade de assistir a opção não escolhida pela internet.

A primeira novela reprisada no “Vale a Pena” foi “Dona Xepa”. Atualmente, a faixa já apresentou 79 títulos diferentes em mais de 33 anos de existência. Segundo Elena Corrêa (2006, on-line), o objetivo do “Vale a Pena Ver de Novo” é de “dar oportunidade de as pessoas reverem sucessos ou de assistirem, pela primeira vez, para quem não teve chance de acompanhar a novela quando foi ao ar inicialmente.”

Corrêa (2006, on-line) ainda aponta que, de acordo com a Central Globo de Comunicação, os critérios para escolha das novelas a serem exibidas são estratégicos, levando em consideração, inclusive, a manifestação do telespectador. Outro ponto para a escolha de novelas não muito antigas é que “há muitos fatores, alguns artísticos, outros técnicos, com impacto na qualidade visual da obra. […] Não existe um limite de tempo para que elas sejam reapresentadas. O que importa é que seja uma boa história, de interesse do público e de boa qualidade técnica” (CORRÊA, 2006, on-line).

Novelas muito antigas talvez não tenham sido totalmente preservadas e também a reprise delas pode barrar em alguns problemas judiciais em relação a contrato com autor e elenco. Já Keila Jimenez (2003, p. D10) ao citar a escolha de reprise de “Anjo Mau” afirma que “foi baseada no passado de audiência da trama – esse é um dos critérios de escolha para o Vale a Pena.”

Os capítulos são adaptados à duração destinada a cada dia na grade de programação da emissora ao “Vale a Pena”. Assim, novelas que tinham um determinado número de capítulos na versão original podem ser exibidas em menos capítulos quando reprisadas, pois há uma compilação ou edição dos capítulos.

Outra forma de edição dos capítulos pode ocorrer a fim de “adaptação” ao horário vespertino. Um exemplo aconteceu em 2009, com a reprise de “Senhora do Destino”, Cristina Padiglione (2009, on-line) esclarece que “a consolidação da autoclassificação indicativa, trunfo da Portaria que reformulou as regras para a Classificação Indicativa dos programas de TV, aliada ao compromisso assumido pela [TV] Globo, com o Ministério da Justiça, de reeditar cenas não apropriadas para o meio da tarde, são os itens que têm permitido à emissora a reprise, no ‘Vale a Pena Ver de Novo’, de novelas originalmente feitas para as 20h.”

Com a reapresentação de “Senhora do Destino” no “Vale a Pena”, a TV Globo teve vários problemas em relação à classificação indicativa, que quase interrompeu a reexibição da novela no horário, pois o Ministério da Justiça não classificava a obra como livre a todos os públicos (MEPER, 2011, p. 111).

A respeito da escolha pela segunda vez para o “Vale a Pena” da novela “A Viagem”, o colunista Daniel Castro (2006, p. E12) explica que “‘A Viagem’ não era a primeira opção da [TV] Globo. Sua preferência era reprisar ‘Porto dos Milagres’ (Aguinaldo Silva, 2001), mas o Ministério da Justiça, mesmo após a análise de fitas reeditadas, não a liberou para o horário livre.”

Em 2011, para a reprise de “O Clone”, mais uma polêmica. A princípio, a emissora seria obrigada a reeditar grande parte do conteúdo da telenovela, tirando de cena uma das principais personagens, Mel, uma usuária de drogas, representada por Débora Falabella. Por fim, a novela foi adequada, muitas cenas da personagem foram cortadas, mas o tema do uso de drogas pôde ser mantido. Bruno Meiper (2011, p. 111) aponta que houve uma edição nas cenas da personagem Mel entre a versão original e como seria reapresentada no “Vale a Pena”: “o uso da droga é sugerido, nunca mostrado, e saem as sequências de quebradeira doméstica. A ênfase recai em um dos primeiros indícios do vício percebidos pela família de Mel.”

Meiper (2011, p. 111) destaca também que, por conta de sua temática e personagens, algumas telenovelas estão fora de cogitação para o horário da tarde. Como exemplo, “Paraíso Tropical”, que teve como personagem de grande sucesso a prostituta Bebel, interpretada por Camila Pitanga. Além disso, a trama era baseada em corrupção e outros temas considerados impróprios para o horário.

Em 2010, de acordo com Jimenez (2010, p. D8) a novela “Alma Gêmea” na faixa do “Vale a Pena” conquistou 22 pontos de audiência: mais do que as então novelas das seis (“Cama de Gato”) com 20 pontos e das sete (“Tempos Modernos”) com 20,6 pontos.

A novela “O Profeta”, quando reapresentada, atingiu “a mais baixa audiência da história de Vale a Pena Ver de Novo” (CASTRO, 2013, online) até então. Um quadro que mostra que mesmo com baixo custo para a emissora, e com grande sucesso, talvez seja preciso uma modificação ou atualização no horário.

Sobre o horário vespertino, Jimenez (2001, p. E7) afirma que “a audiência menor e o baixo potencial comercial do horário (os anunciantes preferem a faixa matutina e o horário nobre) são os motivos da falta de investimento na grade vespertina na TV aberta.”

Dessa maneira, é preciso que se atente para esta faixa de horário na grade de programação, que mesmo com uma tradição de reprises de novelas, talvez precise de uma reciclagem. O exemplo da tentativa de reprisar um formato diferente como o programa “Você Decide” em 2001, pode ser uma saída. Mesmo assim, Jimenez (2012, p. E14) alerta: “a reprise de folhetins é líder isolada de ibope no horário, com o dobro da audiência da concorrência. A mudança [tirar “Vale a Pena Ver de Novo” da grade] pode acabar mexendo em time que está ganhando.” Mas a pergunta que fica é: um time que está ganhando até quando? Pelo menos no caso de “O Cravo e a Rosa”, a audiência foi satisfatória e como estratégia de programação, optou-se, pela primeira vez, em exibir duas novelas simultaneamente na faixa por uma semana para assim tentar fidelizar o público da novela que está acabando para a atual.

Coleta de dados

A seguir, está um panorama estatístico do “Vale a Pena”, com base no levantamento de dados das novelas exibidas na faixa de horário desde sua criação.

O autor que teve mais telenovelas reprisadas, levando em consideração coautorias, é Walther Negrão. Ele teve nove novelas na faixa do “Vale a Pena ver de Novo”, seguida por oito de Benedito Ruy Barbosa, Silvio de Abreu e também Ivani Ribeiro.

AUTORES Solo Coautoria Total
Walther Negrão 7 2 9
Benedito Ruy Barbosa 8 8
Ivani Ribeiro 8 8
Sílvio de Abreu 7 1 8
Aguinado Silva 1 6 7
Cassiano Gabus Mendes 6 1 7
Manoel Carlos 6 1 7
Walcyr Carrasco 7 7
 

Vale lembrar que Ivani Ribeiro aparece no ranking dos autores mais reprisados, pois três das suas cinco novelas foram reprisadas duas vezes. São elas “Mulheres de Areia”, “A Viagem” e “A Gata Comeu”. Além das três novelas de Ivani, outros dois autores emplacaram uma de suas novelas duas vezes na faixa: José Emanuel Carneiro com “Da Cor do Pecado” e Walcyr Carrasco com “O Cravo e a Rosa”.

As telenovelas da faixa das 18 horas são as que mais foram reprisadas no “Vale a Pena”: representam 43% do total de reprises, com 34 títulos. Depois, aparecem as telenovelas da faixa das 19 horas, com 23 obras, totalizando 29%. Outros 25% são das 20 novelas das oito, que são as novelas apresentadas após o “Jornal Nacional”, que primeiramente eram exibidas às 20 horas e gradativamente foram sendo adiadas. Hoje, a “novela das oito” começa após as 21 horas.

Por fim, estão 1,5% de uma novela das 22 horas (horário extinto como fixo na emissora) e mais 1,5% com o programa “Você Decide”, que apresentou quinze episódios em três semanas de exibição.

Considerações finais

Ao instaurar mais um horário para as telenovelas em 1980, a Rede Globo de Televisão pôde ressaltar sua posição em padronizar os horários de seus programas a partir de 1970. Com isso, além de fidelizar o público com sua programação linear, sempre presente da forma esperada e na hora agendada com o telespectador, a emissora mostra que a padronização de temas e tramas para cada horário e público também é um dos pilares para o sucesso e da fixação do padrão Globo de qualidade.

Foi constatado também que quase metade das obras reprisadas em “Vale a Pena Ver de Novo” são originárias da faixa das 18h, horário que tradicionalmente traz temas mais leves, adaptações literárias e tramas que entretém sem grandes polêmicas. As faixas das 19h, 21h e o extinto horário fixo das 22h vêm exatamente nesta mesma ordem de número de reprises.

Sabendo que é uma característica das telenovelas globais a adoção de temas mais polêmicos, sociais e até mesmo com mais sexualidade, ao longo da noite, podemos então dizer que o público que assiste ao “Vale a Pena” procura entretenimento e histórias simples para suas tardes.

A atual classificação indicativa da TV aberta brasileira pode ser um dos fatores de escolha para as telenovelas reprisadas a tarde, já que a legislação vigente prevê níveis de violência, sexo e outros temas podem ser exibidos em cada horário. Porém, os dados coletados indicam que a preferência por novelas da faixa das 18h, e portanto mais leves, já era habitual há muito tempo.

Entretanto, mesmo sendo já tradicional, é preciso que a faixa de horário “Vale a Pena Ver de Novo” se reinvente a fim de continuar na grade de programação da emissora. O atual caso inédito de reprise de duas novelas simultaneamente por uma semana corrobora esse fato.

Referências

ALENCAR, Mauro. A Hollywood brasileira. Panorama da telenovela no Brasil. 2 ed. RJ: Editora Senac Rio, 2004.

CASTRO, Daniel. Globo reprisa novela que foi um fracasso. Folha de S. Paulo, 20 ago. 2005. Ilustrada, p. E13.

CASTRO, Daniel. Globo reprisa “A Viagem” pela segunda vez. Folha de S. Paulo, 27 jan. 2006. Ilustrada, p. E12.

CASTRO, Daniel. Ministério proíbe “Senhora” antes das 20h. Folha de S. Paulo, 10 jun. 2009. Ilustrada, p. E14.

CASTRO, Daniel. O Profeta tem pior ibope da história do Vale a Pena Ver de Novo. Portal R7. São Paulo: 14 mar. 2013. Blog Daniel Castro. Disponível aqui. Acesso em 19 abr. 2013.

CORRÊA, Elena. Mais de 60 histórias já mataram a saudade. Diário do Nordeste, Fortaleza, 27 ago. 2006. Disponível aqui. Acesso em 08 jan. 2014.

DICIONÁRIO da TV Globo, v. 1: programas de dramaturgia & entretenimento. Projeto Memória das Organizações Globo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

FERNANDES, Ismael. Memória da telenovela brasileira. 4ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1997.

JIMENEZ, Keila. “Anjo Mau” bate recorde no “Vale a Pena”. O Estado de S. Paulo, 06 set. 2003. Caderno 2, p. D10.

JIMENEZ, Keila. Reprise dá mais ibope: Vale a Pena vence trama das 6 e 7. O Estado de S. Paulo, 05 fev. 2010. Caderno 2, p. D8.

JIMENEZ, Keila. Tardes na TV somam 55 horas de reprise. Folha de S. Paulo, 09 out. 2011. Ilustrada, p. E7.

JIMENEZ, Keila. Globo estuda acabar com “Vale a Pena Ver de Novo”. Folha de S. Paulo, 04 out. 2012. Ilustrada, p. E14.

MEIER, Bruno. Drama Amaciado. Veja, São Paulo, ed. 2199, p. 111, 12 jan. 2011.

MEMÓRIA Globo. Disponível aqui. Acesso realizado em 08 jan. 2014.

PADIGLIONE, Cristina. Reprises sob ajustes. O Estado de S. Paulo, 15 fev. 2009. Disponível aqui. Acesso em: 18 abr. 2013.

PADIGLIONE, Cristina. Globo sacrifica “O Clone” para resgatar ibope. O Estado de S. Paulo, 03 jan. 2011. Caderno 2, p. D7.

SOUTO MAIOR, Marcel. Almanaque da TV Globo. Rio de Janeiro: Globo, 2006.

XAVIER, Nilson. Teledramaturgia. Disponível aqui. Acesso realizado em 08 jan. 2014.

******

Julio Cesar Fernandes é mestre em Comunicação com ênfase em memória televisiva; atualmente ocupa o cargo de coordenador de operações do Jornalismo da TV Globo.