Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O despreparo para rotular a violência

Quem acompanhou, com um senso crítico, a cobertura da mídia tradicional nos protestos de junho e julho no Brasil deve ter percebido que todas as formas de violência, ideológicas ou não, foram jogadas na mesma vala comum. Sim, estou dizendo que há diferentes formas de violência e, no caso dos Black Blocs, o que vimos foram ações movidas por ideologia, e não por objetivos financeiros como saquear lojas. Porém, este artigo não é sobre os Black Blocs, mas sim, como a mídia aborda outros temas semelhantes.

Que a Rede Record de televisão abusa do sensacionalismo em seus noticiários, principalmente no Cidade Alerta, em que só falta sair sangue pelas telas da televisão, não é nenhuma novidade. Sob o comando de Marcelo Rezende, um exemplo típico do sensacionalismo do jornalismo brasileiro, o programa desfila ódio contra qualquer tipo de violência, porém, assim como quase toda a imprensa nacional, não se dá ao trabalho de distinguir as diferentes motivações e, pior, incentiva uma violência ainda maior da sociedade contra determinados grupos, ou tribos urbanas.

É quase unanime a aversão que, não só nós, brasileiros, mas o mundo, tem em relação ao nazismo ou ao fascismo. E, quando qualquer grupo neo-nazista surge e começa a fazer parte dos noticiários, sentimos uma mistura de medo e ódio por, em pleno século 21, onde grande parte dos preconceitos foi superada, enxergarmos que ainda há quem defenda a hegemonia de somente uma raça acima de todas as outras. Porém, mais temerário que isso, talvez seja a nossa mídia despreparada, que dá um nó na cabeça da população ao rotular todas essas ações da mesma forma.

Motivações da violência

Foi assim em uma edição do Cidade Alerta de 2011, quando uma reportagem mostrou a prisão da skinhead Tamires Fernanda Sozinho, acusada de agredir pelo menos três membros de uma facção nazista em Porto Alegre. Rezende já iniciou ridicularizando as tatuagens e os piercings usados por Tamires, além de ridicularizar a intenção do grupo que é justamente o extermínio de grupos nazistas na região. Rezende foi, no mínimo, preconceituoso.

Quando chegou à delegacia e foi abordada por um repórter, Tamires logo disse “Sai. Aqui é anti-fascista.” Talvez só essa frase, solta, já seria o suficiente para justificar o “crime” cometido, porém ela diz mais. “A gente é skinhead, Sharp (Skinheads Against Racial Prejudice, em português Skinheads contra o Preconceito Racial). Contra qualquer forma de preconceito, contra preconceito racial, contra homofobia”, disse Tamires que, infelizmente, não foi compreendida nem mesmo pelos policiais que a prenderam, tacharam de “ideologia do ódio” e disseram que a intenção de Tamires e do seu grupo é “execrar aqueles quem não acompanha o raciocínio dela”. Mas será que é o grupo de Tamires que pensa assim ou os agredidos?

Para piorar, quando termina a matéria e volta para o estúdio, Rezende volta a debochar da estética de Tamires. “Me volta esse narizinho. Olha o nariz”, se referindo aos piercings de Tamires. Rezende brinca e a chama de “maluca, maluquinha”. Uma infelicidade só, não só para quem tende ouvir esse tipo de preconceito e, no mínimo, falta de conhecimento, como para o jornalismo, que é criticado duramente nos próprios comentários no YouTube por gente que entendeu a ação violenta e, totalmente ideológica, de Tamires. Alguns comentaram: “Cara, eu a acho completamente certa”, “Marcelo Rezende, ridículo e burro!”, “Por que prenderam ela? Ela estava fazendo um favor a sociedade”.

Eu acredito na frase “violência não justifica violência”, porém o que está em jogo são as diferentes motivações de violência. A falta de tempo para estas considerações não pode ser uma justificativa. Afinal, se não há essa distinção, o serviço prestado é uma desinformação, e não o contrário.