Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O beijo e a dificuldade de aceitar o velho

A cena de beijo entre os personagens Felix e Nico no último episódio da novela Amor à vida, da Globo, foi, sim, uma conquista. Soa estranho dizer “conquista” em 2014, tão estranho quanto seria dizer “em pleno século 21”, mas essa deve ser a palavra que mais se encaixa na situação.

As redes sociais, como não podia ser diferente, se encheram de manifestações alegres e violentamente preconceituosas. É justamente por conta dessa forte oposição que a palavra conquista se manifesta com uma força inigualável. Alguns viram como “pouca vergonha”, outros como “nogento” (sic) e, pelo visto, muitos como uma afronta à moral e aos bons costumes. Contudo, quais são esses bons costumes e essa moral tão defendida por aqueles que se ofenderam com uma cena de beijo gay em rede nacional, no horário nobre, no canal de maior audiência do Brasil?

Vale a pena refletir um pouco sobre o que essas pessoas querem? E se colocar no lugar delas? Ouvi a seguinte frase de uma amiga nas últimas semanas: “Vocês (gays) podem parar de dizer que são a minoria”. Em conversa com a mãe de uma outra amiga, ouvi: “Eu vejo que no futuro a maioria vai ser, sim, homem com homem e mulher com mulher.” Se esta é realmente uma tendência ou um movimento natural não sei, mas o que deveria começar a ficar claro na cabeça da maioria é que os tempos estão mudando e mais rápido do que eles conseguem ou querem assimilar.

Momento ideal para refletir

Pensar na vida de um homossexual nas décadas de 1970 ou 1980 é um exercício não muito difícil – basta ver o grau de machismo daqueles nascidos nestes mesmos anos ou anteriores. São raras as pessoas daquela época que conseguem sustentar uma conversa sem nenhum tipo de preconceito quando se entra em pontos como as novas formações familiares e a capacidade de um casal de homens criar uma criança. Tive a infelicidade de entrar numa discussão dessas com duas pessoas, uma nascida antes de 1960 e outra depois de 1990. Os dois homens, com suas cabeças muito bem formadas sobre o assunto, eram extremamente fechados para argumentos contrários à sua opinião e é justamente neste ponto que mora o perigo e vive a realidade da nossa sociedade hoje.

Uma opinião deveria ser formada a partir da análise e da reflexão de diversos pontos, favoráveis e contrários à visão daquele que busca se informar e se formar. É uma lição básica do jornalismo dar todas as versões do fato e voz às diferentes opiniões sobre o assunto em pauta. Contudo, nem jornalistas – e muito menos o público – se interessam por buscar informações diferentes e amplas. Ouvir e ler aquilo que agrada os olhos e massageia a “inteligência” é suficiente.

O perigo neste fato e neste caso (o beijo gay) é a sobrevivência do machismo e do preconceito. O beijo deveria ser, para toda a sociedade, o momento ideal para refletir que não há volta: existe, sim, homossexual, existem, sim, famílias sendo formadas por dois pais ou duas mães e isso não será algo distante da realidade de ninguém logo mais. Deveria ser uma oportunidade para mostrar para a criança sentada no chão da sala que dois homens se beijarem é normal. O amor é normal e existe entre seres do mesmo sexo. E na resistência da aceitação basta dizer: “Por que um homem e uma mulher podem se beijar todo o tempo na TV e dois homens não?”

“Semente de normalidade”

Porém, apesar da oportunidade dada e da “conquista” alcançada, ainda vão existir pessoas e famílias que ficam horrorizadas com o fato. A essas pessoas volta a pergunta: “Por que eles podem e nós não?” ou “Por que ser gay é ser anormal?” e, para colocar em xeque: “Você vai continuar dizendo que isso é anormal e direta ou indiretamente incentivar uma visão preconceituosa que pode se materializar em violência contra um homossexual?”

Recentemente senti mais de perto esse “estranhamento” de um casal gay. Ando de mãos dadas com meu namorado em lugares públicos e os olhares são constantes. Há quem vire a cabeça, logo após cruzar nosso caminho, para observar as mãos dadas. A grande maioria primeiro olha para os dedos entrelaçados e só então sobem o olhar para nossos rostos. A feição de raiva ou algum sentimento próximo disso também se manifesta em alguns homens (na maioria) e mulheres. Por quê? Se parasse para consultar essas pessoas provavelmente ouviria os mesmos comentários feitos nos textos que defenderam o beijo gay da novela: “Não sou obrigado(a) a fazer meus filhos verem esse tipo de cena”, saem em defesa da família os pais conservadores; “isso é anormal”, diriam os religiosos fervorosos; “aqui não é lugar”, exclamariam os defensores dos bons costumes. Mas de que valeria ouvir se essas pessoas apenas têm bocas e não ouvidos?

Colocando-me no lugar delas, entendo que ninguém é obrigado a “aceitar” e a palavra é livre para todos. Contudo, a não aceitação de que um beijo ou duas mãos dadas são fatos normais e a palavra dita de maneira impensada se transformam em violência. É violento dizer que um beijo é nojento e vai ser violento quando uma criança que ouve isso dos pais ofender um colega de classe que desde cedo manifesta comportamentos femininos. Crianças são cruéis quando querem e podem gerar adultos inseguros e infelizes. Sendo assim, por que não plantar uma “semente de normalidade” nessa nova geração e, acima de tudo, ensinar que cada um deve se preocupar com sua única e exclusiva felicidade antes de julgar, criticar e violentar a felicidade alheia?

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Alex Contin é jornalista e mestrando em Comunicação