Domingo, 16 de março de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 2025 - nº 1329

A novela das nove

Com algumas semanas de exibição, Em Família oscila entre 26 a 30 pontos de audiência no horário nobre, o que já mostra uma situação preocupante em relação às suas antecessoras. A novela, que deve ser também mais curta do que as outras (a mais curta desde 1979) por acordo entre a emissora e o autor, parece não cativar o telespectador como anteriormente. É que o texto de Manoel Carlos é até bem intencionado. Mas a crônica clássica sobre o cotidiano parece destoar do conteúdo que nos vem sendo apresentado na televisão aberta nos últimos tempos. O público das telenovelas não se prende mais a histórias que nada dizem sobre ele.

As três antecessoras não foram novelas perfeitas, mas buscaram elementos, cada uma à sua forma, para mexer com o outro lado da televisão e fazer com que ele se envolvesse também na história. Avenida Brasil era, antes da vingança de Nina, sobre a ascensão da classe C. A novela de João Emanuel Carneiro abusou das referências, buscou novidades na fotografia e contou com diálogos impulsivos capazes de transformá-la em uma febre nacional. EmSalve Jorge, assistimos a uma fórmula repetida que parecia nunca ter fim, mas o nível de nonsense, beirando o ridículo em alguns casos, como o assassinato da personagem de Carolina Dieckmann, Jéssica, despertava interesse. Amor à Vida, que começou agitada, naufragou e depois se salvou com a redenção de Félix teve na atuação, sobretudo, de Mateus Solano, seu maior mérito. O vilão se tornou o verdadeiro mocinho da história e fez com que os lares brasileiros torcessem e apoiassem seu romance com Niko (Thiago Fragoso). Mas Em Família vai precisar de muito se realmente quiser cativar o público. Até porque o público já não é mais o mesmo.

A teledramaturgia da Rede Globo não só cresceu nas novelas, que arriscaram novas linguagens nos últimos tempos – bons exemplos fora do horário nobre são Cheias de Charme e Lado a Lado, vencedora do Emmy Internacional. Os seriados – sejam os especiais ou, então, aqueles com várias temporadas – também passaram a dialogar com um novo tipo de público e se mostram, cada vez mais, uma parcela bastante interessante. A Grande Família, por exemplo, que por anos tratou de uma família tradicional, está cada vez mais interligada com o momento, tanto nas referências quanto nas situações – era impossível imaginar anteriormente que, por exemplo, Nenê (Marieta Severo) iria procurar sua independência financeira. Apostas arriscadas, como Amores Roubados, com dinâmica e diálogos muito bem trabalhados, nada didáticos, também cairam no gosto do telespectador.

Mais do mesmo

O telespectador de hoje não está preso somente à tela da TV. Pelo contrário: com a internet dominada, consome informação a todo o momento e não é mais convencido pela teoria de que o mundo particular é revestido por uma redoma. Além disso, o telespectador também não é mais só a dona de casa. Todos assistem novela – ou, ao menos, não estão totalmente alheios ao que acontece. E a teledramaturgia, por sua vez, também não deveria estar alheia a nada.

Em Família se mostra como um folhetim “das antigas” e carrega consigo um toque de uma nostalgia. Não há grandes surpresas nos rumos das histórias, deixando claro que as marcas já estão traçadas, mesmo que seus personagens sejam retratados como seres humanos comuns, passíveis de erros e acertos. Há momentos nos quais a impressão é de que certas cenas não importam de maneira alguma para a trama. O passado dramático e passional da mocinha não impressiona. O mais do mesmo já não é suficiente. No entanto, vamos seguir nos preocupando com ela. Afinal, é a novela das nove.

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Izadora Pimenta é jornalista, escreve sobre cultura e entretenimento