O enredo chama a atenção. Os personagens estereotipados, quase caricaturas, respondem à trama com apego e segurança. Cada um deles reforça suas características, suas simbologias e problemáticas em um núcleo, um enredo sem subdivisões; uma experiência até ali audaciosa de reter, assim como no livro de Jorge Amado – o objeto da adaptação –, todos os acontecimentos da minúscula Santana do Agreste; isto sem definhar a atenção do telespectador ou fazê-lo sentir-se entediado com o andamento da história. Tieta é, sobretudo, uma possibilidade de enxergar nas novelas um retrato real, e não infame, do Brasil. É possível ver nos seus mais simples personagens um deboche à pasmaceira nacional sem o toque de futilidade como o que se faz hoje. Era 1989/90, distante das evoluções técnicas e da ausência de estrutura. Assim nasceu em ambiente natural uma das grandes novelas da história da televisão brasileira, novela como não se faz mais.
Paulo Ubiratan dirigiu-a com a colaboração de Reynaldo Boury, Ricardo Waddington e Luiz Fernando Carvalho; sua trama foi assinada por Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares. Convém dizer que o discurso da novela gira em torno de um anseio pelo progresso após os longos anos de atraso proporcionado pela ditadura militar. A cidadezinha de Santana do Agreste representa um país que permaneceu no ostracismo, paraíso intocável, mas longe do progresso e que deve lutar pela chegada das evoluções tecnológicas. Este é um assunto geral no plano do enredo e que desperta a atenção, especialmente de quem assiste à novela atualmente. Em menor aspecto, a discussão é baseada em questões internas ou familiares: a mágoa de Tieta pelas pessoas que a escorraçaram, seu amor pelo sobrinho Ricardo, as estripulias de Modesto Pires que traz a Mangue Seco a concubina Carol, enfim. É muito provável que as novelas atuais não sobrevivessem tendo apenas um núcleo, como acontecia naquela época.
Tieta sobreviveu graças à desenvoltura impecável dos atores ao interpretar seus personagens. Alguns deles, criados sem base no livro de adaptação, poderiam perfeitamente se encaixar na visão de Jorge Amado. Aos que já nasceram do livro e ganharam forma visual, existiu uma responsabilidade imensa de enquadrar na televisão a imagem antecipadamente formulada pelo imaginário popular diante das leituras do livro Tieta do Agreste. E o sucesso não se restringiu em apenas dar vida ao personagem principal, com as atuações indiscutíveis de Cláudia Ohana e Betty Faria; era preciso criar um círculo de personagens identificados com a essência da Bahia, do fim de mundo que é paraíso, com o sotaque e os acontecimentos de uma pequena povoação. A novela discute valores de uma sociedade patriarcalista, hipócrita e que definha sob suas próprias mazelas. Na ausência de novidade, a vida alheia se transforma em assunto predileto e impreterível. Mocinhos e vilões não estão estabelecidos em bases. É uma trama que pode inverter os papéis em poucos capítulos. Há uma quebra da ideia fixa de existência de um vilão e um mocinho a qualquer custo.
O significado de originalidade
Atualmente as novelas são baseadas no gosto popular; existe o pensamento de que a TV Globo satisfaz o desejo dos telespectadores em ver os enredos e personagens que os atraem. Então é possível entender que o gosto popular pela telenovela tenha se alterado; e esta alteridade constitui um valor fundamental de análise: o telespectador anuiu à repetição e sente-se mais confortável em consumir grandes dosagens do mesmo enredo em todas as obras. Porque não há diferença entre elas. Pode-se discutir a diferença entre Roque Santeiro, O Salvador da Pátria e Tieta; mas como discutir a diferença entre Amor à Vida e Em Família? Existe uma semelhança gritante entre os enredos. Tanto é que não se faz necessário assistir aos primeiros capítulos para entender a história. Antigamente as pessoas faziam questão de assistir aos primeiros episódios da novela, temerosas de que não a compreendessem mais adiante. O fato é que pode haver uma escolha do telespectador em manter esta ideia de repetição. Mas isso não agrada a todas as pessoas. De modo que os seriados, por exemplo, têm ganhado mais espaço nos canais de TV a cabo do que a própria telenovela.
Tieta não é apenas uma novela originada da adaptação de um livro. É a concretização de personagens nascidos no imaginário de um escritor sensível como Jorge Amado. Em sua trilha sonora marcou os passos duma época. Não por acaso as pessoas ainda se lembram de cada um dos personagens; de suas características e estereótipos muito mais baseados na maneira de se vestir ou no sotaque do que nos assuntos que tratam. Diferente do discurso atual, sempre fútil, quando não direcionado a uma questão que o telespectador não está interessado em saber. Novela deixou de ser entretenimento ou acha-se no direito de informar, criar ideias e gostos, valorizar o que talvez não seja digno de valor. E será que Tieta alcançaria o sucesso se fosse exibida atualmente? Talvez. Se a engrenagem da repetição faz das novelas um conteúdo diferenciado apenas pela troca da equipe, o sucesso desta telenovela dependeria antes do entendimento do telespectador pelo que significa originalidade – muito embora a obra fosse uma adaptação literária.
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Mailson Ramos é escritor