Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

‘Clima de crise’ às vésperas da Copa na TV francesa

A poucos dias da abertura da Copa do Mundo Fifa Brasil 2014, as TVs francesas entraram em polvorosa por um simples motivo: sem os direitos de transmissão, não tinham a garantia sequer de poder exibir trechos do principal evento esportivo do mundo.

A notícia saiu no L’Express e foi difundida no L’Equipe, que, após a resposta de uma das emissoras envolvidas, tirou o link com a matéria, deixando a resposta. Segundo o L’Express, o BeIN Sports codetentor dos direitos de exibição do torneio, adquiridos juntos à TF1, teria se recusado a comercializar partes das partidas. A matéria segue contando que o direito de bloqueio exercido pela empresa catariana ia de encontro às práticas de mundiais anteriores, em que as demais TVs pagaram entre 5 mil e 10 mil euros por 30s cedidos.

Em 2005, a TF1 – que em 1985 foi privatizada, sinal do fim do monopólio estatal nas comunicações por toda a Europa com a prática do neoliberalismo – adquiriu por 130 milhões de euros a Copa de 2014. Em 2010, o grupo vendeu à France Televisions e ao Canal+ alguns dos jogos do mundial ocorrido na África do Sul. Mas já na Eurocopa 2012 optou por vender ao BeIN Sports; o mesmo foi para o mundial do Brasil, podendo transmitir todos os jogos da Copa, sendo 36 partidas de maneira exclusiva. Para ver estes jogos, o francês precisa pagar 11 euros por mês.

O direito à informação

No final de maio, o deputado Jean-Luc Laurent enviou um comunicado ao secretário de Estado de Esportes francês, Thierry Braillard, devido à possível privação ao grande público de importantes partidas da Copa do Mundo, pois, como já dissemos, o BeIN Sports é de acesso condicionado a pagamento. O deputado lembrou ainda que mesmo a Eurocopa de 2016, a ser sediada pela França e com investimentos públicos, não teria a garantia de ampla visibilidade em TV aberta, já que o canal catariano detém os direitos de transmissão.

A crise alardeada pelo L’Express é sinal da disputa que teve ápice no final de 2013 e que relatamos neste Observatório, com participação e comentários por parte de agentes públicos. Por isso que os representantes da empresa catariana se apressaram em afirmar que o responsável pelo repasse de imagens era a TF1, quem deveria montar o contrato e definir os valores da cessão de parte das imagens. Logo em seguida, uma rápida reunião com a TV francesa definiu que seriam cedidos os extratos das partidas para as demais emissoras, apagando o fogo da nova crise no mercado.

Outro ponto comentado é o direito à informação, que define na França que todos os canais têm direito a exibir 90 segundos por partida porque o público necessita de determinada informação essencial. Em janeiro de 2013, após consulta pública, o Conselho Superior do Audiovisual do país publicou uma deliberação específica sobre a difusão de extratos de competições esportivas e de outros eventos que são de um grande interesse público no que tange ao audiovisual. Nesta, reafirma-se os 90 segundos por hora e por dia de competição ou evento, desde que este não dure menos que 6 minutos, já que há limite de 25% da duração total da competição. Além disso, 15s é o tempo mínimo de imagens a serem repassadas, resguardando ao menos 5s em que a marca de quem detém o direito deve aparecer na tela do concorrente.

A participação do capital estrangeiro

Isso é importante de ressaltar, já que em 2012 a Globo exibiu imagens dos Jogos Olímpicos de Londres no Jornal Nacional sem qualquer referência à Record, detentora dos direitos de transmissão, corrigindo isso em seguida após certo debate nos bastidores. No Brasil, a Lei do Esporte (Lei Pelé – 9.615/1998) traz a regulamentação para estes casos, em que é garantido 3% do tempo previsto do espetáculo a ser repassado para “flagrantes de espetáculo ou evento desportivo para fins, exclusivamente, jornalístico ou educativos”. No caso do futebol, isso daria um pouco menos de 3 minutos por partida.

O problema quanto a isso já gerou alguns processos na justiça, em que a Globo costuma reclamar da exposição de imagens e até a reprodução de formatos de sites de seus programas na internet. Ao contrário daqui, porém, o debate na França envolve todo o mercado e aumentou a relevância com a participação do capital estrangeiro praticamente exigindo posicionamento por parte dos órgãos responsáveis pelo audiovisual, inclusive de forma direta, seja por conta de parlamentares ou de agentes do mercado.

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Anderson David Gomes dos Santos é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação