Em busca de explicações para a audiência em queda das novelas, críticos e autores têm sugerido que o espectador brasileiro não tolera mais tramas com pouca ação e ritmo lento. Segundo esse raciocínio, o sucesso de “Avenida Brasil”, cujo texto e direção foram muitas vezes comparados ao de um seriado, teria estabelecido um novo padrão, sem volta.
Esta discussão ganhou impulso ainda maior nestes primeiros meses de 2014 por conta dos números de audiência decepcionantes de “Em Família”. A novela de Manoel Carlos ainda é, como todas do horário, o maior Ibope diário da Globo, mas num patamar bem inferior ao sonhado pelos executivos da emissora.
Convidando o público a prestigiar a estreia de “Vitória”, a Record publicou na Folha, há duas semanas, um anúncio de página inteira no qual dizia que “assistir à novela das 9 em família não precisa ser chato”. Em letras menores, a provocação com a Globo prosseguia: “Você também está cansado de novela das 9 que não acontece? Assista à Vitória, uma novela com tudo o que uma novela tem que ter.”
O que seria isso? Os primeiros capítulos da trama de Cristianne Fridman procuraram explicar. “Vitória” tem um núcleo de neonazistas alucinados, liderados por uma loira belíssima, e tem um vilão em cadeira de rodas, que interna a mãe sã numa clínica e tenta se vingar do pai.
O texto abusa dos clichês mais surrados e apelativos e a câmera adora os closes nos rostos dos personagens. É um melodrama rasgado, com história rocambolesca, sem pudor de tentar conquistar o espectador no grito –aliás, quase toda cena mostra alguém gritando.
Com seu anúncio, a Record tenta estabelecer uma oposição entre chatice (“Em Família”) e exagero (“Vitória”). A baixa audiência nas primeiras duas semanas mostra que a emissora não vai conquistar público com esta estratégia. A política de “tiro, porrada e bomba”, descrita na música de Valesca Popozuda, pode funcionar bem para intimidar as “recalcadas”, mas me parece um retrocesso para as novelas.
Qualidade secundária
“Amor à Vida”, de Walcyr Carrasco, foi outra novela que apostou nesta política de choque, com um texto de baixa qualidade, sem substância. O resultado, em termos de Ibope, foi um pouco melhor do que “Salve Jorge”, de Gloria Perez, uma novela com história bem mais rica, mas problemas sérios de lógica.
Esta semana, Aguinaldo Silva, autor da novela que substituirá “Em Família”, fez um comentário em seu blog pessoal que colocou mais lenha nesta discussão. Explicando por que não iria contar um segredo importante da nova trama, a ser revelado no sexto capítulo, ele se vangloriou do “ritmo alucinante” de suas novelas.
“Porque eu não sou de enrolar nem de guardar história, vou soltando tudo desde os primeiros capítulos, e quando a sinopse acabar eu faço outra e, se for preciso, mais outra. Mas não deixo de manter o ritmo alucinante nas minhas novelas, pois é o que o povo quer e gosta.”
Não mudei a minha opinião de que o texto de “Em Família” é quase sempre bem escrito e articulado, mas essa qualidade é secundária diante de uma novela com histórias pobres, conflitos pouco convincentes e tramas repetitivas. O problema não é só de ritmo, mas de conteúdo mesmo.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo