Reza a lenda que o comentarista Luiz Mendes, depois de ver um debate sobre política na TV, sugeriu ao executivo Walter Clark a criação do que viria a ser a primeira mesa-redonda esportiva na TV brasileira. Chamava-se “Grande Revista Esportiva” e foi ao ar na TV Rio, em 1963.
Transferida para a Globo em 1966, incorporou ao título a marca da empresa que patrocinou a empreitada, a multinacional Facit, fabricante de máquinas de datilografar e calculadoras de mesa, entre outros produtos para escritório.
A “Grande Resenha Facit” entrou para a história por conta de dois episódios lendários, sobre os quais não conheço registros em vídeo, mas inúmeros relatos.
O primeiro dá conta de um debate entre Nelson Rodrigues e Luiz Mendes. Tricolor doente, Nelson insistia em dizer que o árbitro de Fluminense e Botafogo agiu corretamente ao não marcar pênalti contra a sua equipe num determinado lance da partida.
Mendes, então, exibiu imagens do jogo que mostravam com clareza que foi pênalti. De improviso, o dramaturgo teria, então, proferido a sentença que se tornou imortal: “Se o vídeo diz que foi pênalti, pior para o videoteipe. O videoteipe é burro”.
O segundo episódio envolve João Saldanha, outro integrante da mesa-redonda cuja verve não encontra paralelo em programa algum dos dias de hoje. Depois da final do Campeonato Carioca de 1967, vencida pelo Botafogo, ele acusou o bicheiro Castor de Andrade, patrono do time adversário, o Bangu, de ter subornado o goleiro da equipe alvinegra, Manga.
Castor ouviu Saldanha na TV e se dirigiu, acompanhado de seguranças, para o estúdio da Globo. O programa foi interrompido e, até onde reza a lenda, nenhum tiro foi disparado.
Ideias estapafúrdias
As fotos que existem da “Grande Resenha Facit” mostram os seus participantes sentados ao longo de uma mesa de escritório, possivelmente da marca do patrocinador, bem horizontal. Aliás, não me lembro de nenhuma mesa-redonda de futebol realizada em mesa-redonda.
A mesa-redonda esportiva é um gênero único, reproduzido em todo o mundo. O seu princípio fundamental é que um jogo de futebol é um evento que não se encerra nunca. Somos capazes de falar de determinado lance, gol ou, mesmo, partida por dias, semanas e, em alguns casos, anos e anos.
Não há pré-requisito para participar de uma mesa-redonda. Nem mesmo é preciso ser capaz de enxergar o que se passa em campo, caso de Nelson Rodrigues, cuja miopia aguda, relata Ruy Castro na sua biografia definitiva, o impedia de ver a bola.
Também não é necessário entender de futebol. Aliás, quem entende de futebol (Tostão excluído)? A graça das mesas-redondas é esta ideia, justamente, de que qualquer um, eu, você, sua vizinha, a Maitê Proença, podemos participar, com ideias muito firmes e seguras a respeito do estilo de David Luiz.
A Copa do Mundo é aquele momento em que até a Globo, que há muito tempo aposentou o formato, por ser imprevisível e incontrolável, oferece a sua, sem medo de passar vergonha.
Porque essa é a essência da coisa: defenda a ideia que quiser, por mais estapafúrdia que seja, mas faça isso com a mesma segurança de Nelson Rodrigues ou João Saldanha. Ao menos tente. Alguém vai ouvir e, eventualmente, até concordar contigo.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo