Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O canal para quem gosta de arte (e de reprises)

Quando o canal Arte 1 estreou no ano passado, muitos comemoraram. Afinal, um canal dedicado a tratar essencialmente de arte era (é) um verdadeiro presente para quem gosta do tema. Além do mais, arte, como se sabe, não é um assunto facilmente disponibilizado na programação das TVs, de modo geral. Há sempre muito espaço para temas rotineiros, como esportes, violência, celebridades, política etc. e pouco, muito pouco, para as artes. Nesse contexto, a comemoração foi mais do que merecida.

Na programação do Arte 1 há desde filmes clássicos ou contemporâneos, daqueles que custam ou nunca são exibidos nos outros canais, até documentários muito bons sobre fotografia, dança, teatro, artes plásticas e literatura. Importante lembrar que em cada um desses segmentos a abordagem tenta ser ampla: por exemplo, pode­se assistir a um documentário sobre Milton Hatoum e Paulo Coelho, sobre Cartier­Bresson e Sebastião Salgado, sobre música clássica e rock’ n roll, sobre um popular gravurista norte-americano e sobre Salvador Dali.

Pois é, mas essa amplitude não significa que o problema das repetições incessantes já não seja um desestímulo para os que se entusiasmaram com o canal. Sabemos que as exaustivas reprises dos canais pagos são problemas bastante comentados aqui e ali, nas redes sociais (tanto as virtuais quanto as reais). A queixa quanto a isso é rotineira. Pois, esse problema também já atinge em cheio o Arte 1, embora seja um canal tão jovem. Somente um ano depois de sua estreia, as reprises ali já são tantas e tão insistentes e cansativas, que muitos (como eu) estão buscando (e não encontrando) outras opções.

Lixo televisivo

Sim, porque por mais que eu goste de literatura (e gosto muito) ver que o mesmo programa sobre o escritor X irá passar três vezes por dia a semana inteira não é nada animador. Saber que um ótimo documentário como A árvore da música continua passando incessantemente desde a criação do canal, mês sim, mês não, e três vezes por dia, não é exatamente animador.

E o que dizer do documentário Jogo de Cena, do saudoso Eduardo Coutinho: perdi a conta (literalmente) de quantas vezes o vi (vejo) sendo reprisado. O mesmo vale para a série Amores Expressos, sobre literatura, e por aí afora. A impressão que dá é que a programação é feita sem sequer uma verificação mais cuidadosa sobre o que foi exibido na semana passada ou no mês anterior.

Para não escrever bobagens, fui checar a grade na semana de 9 a 13 de junho e verifiquei que o filme O homem de Aran, por exemplo, iria passar a semana toda em mais de três horários a cada dia; o mesmo “procedimento repetitivo” seria aplicado à série Bleack House, ao programa Estilo Arte 1 e às séries Biografias Arte 1 e Ícones. Todos são repetidos incansavelmente de manhã, à tarde, à noite e de madrugada.

Minha intenção com este texto não é simplesmente criticar as tantas repetições – embora isso seja, sim, desestimulante – pois, imagino que não seja fácil para a equipe do canal produzir programas ou buscar alternativas para variar o “cardápio” baseado em um tema considerado difícil e elitista (pensamento do qual não compartilho). Continuando, imagino ainda que sejam equipes bem enxutas e louvo que, apesar das muitas reprises, a gente tenha pelo menos um canal dedicado à arte por aqui. Atualmente há tanto lixo televisivo, tanta porcaria sendo feita (e angariando audiência, o que é pior) que a criação de um canal dedicado a “falar” de arte já é um presente.

Luxo e sofisticação

Mas esse presente seria e poderia ser bem mais apreciado se não houvessem tantas e exaustivas reprises. Isso afasta os telespectadores porque por mais que gostemos, assistir a um mesmo programa hoje, amanhã e depois… cansa. E, se não há telespectadores ou se eles se cansarem, acho que o canal logo será extinto porque não haverá audiência (a lógica perversa).

Diante disso, pergunto: não haveria uma maneira de se buscar parcerias para a produção de material novo? De pesquisar pautas diferentes e apresentar, além do requentado circuito de artes de Rio e SP, novidades da cena artística de Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre ou Manaus?

O canal Arte 1 é jovem mas se tornou tão repetitivo – em menos de um ano – que ao invés de trair e cativar telespectadores, irá afastá­los, por mais que estes tenham boa vontade e gostem muito (mesmo) de arte. Faço votos para que a direção do canal encontre uma maneira de tornar sua programação mais variada e menos repetiviva, seja por meio de parcerias ou de criatividade jornalística na abordagem de um tema que não deveria ser visto pelo ultrapassado viés elitista que limita a abordagem de tema tão rico.

Em geral, arte é um assunto muito associado a luxo e sofisticação, ou seja, declaradamente elitista e por isso, limitado; mas arte também é um tema amplo e diversificado que pode e deveria ser explorado de variadas maneiras. Talvez assim fosse possível tornar a grade da programação menos repetiviva e mais atraente para outras camadas de telespectadores.

Popularesco e demagógico?

Programas sobre museus e casas de cultura, sobre artesanato popular (de qualidade), sobre artistas brasileiros anônimos (ou não) dos rincões do país, sobre músicos que tentam sobreviver de sua arte, apesar das enormes dificuldades, não seriam pautas interessantes? Numa cidade como São Paulo são quase infinitas as possiblidades de se buscar temas legais relacionados à arte e não estou falando somente das galerias de Pinheiros ou da Vila Madalena ou da sofisticação quase piegas de estilistas que criam sapatos caríssimos ou de chefs de cozinha que são mais celebrados do que os pratos que fazem.

Mas se atingir outras faixas de público, talvez mais populares (mas não menos valorosas) não interessa ao Arte 1, se tudo isso soa popularesco e demagógico demais, se é melhor continuar exibindo dezenas de vezes programas sobre o mercado de luxo no Brasil e os bancos de couro do carro X… Bom, nesse caso, vamos aguardar para ver por quanto tempo esta proposta resiste. Espero que por muito tempo porque, apesar das exaustivas reprises, é melhor que seja assim do que não termos nenhum canal dedicado à arte.

P.S: O fenômeno das infinitas repetições é uma verdadeira praga que assola a TV paga e destrói a paciência de qualquer telespectador. GNT, Globosat, Futura, Off, entre outros, também sofrem do mesmo “mal”.

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Ana Claudia Vargas é jornalista