Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

‘TV é para ser ao vivo’

É sábado, dia da gravação do Na moral no Projac. A pauta, a identidade nacional, reuniu do ator Tony Ramos ao economista Eduardo Giannetti, sob a direção de José Lavigne. O programa vai entrar na terceira temporada encadeando mais os temas e elementos de cena. Por exemplo, Pretinho da Serrinha foi a presença musical. Agora, essa presença é mais participativa do que decorativa, como acontecia em temporadas anteriores. Os assuntos tratados também serão aparentados: racismo e justiça estão entre os próximos. O espírito da coisa, porém, está mantido: a ideia é expandir os limites da discórdia, exercitando o debate, levando para o palco o paroxismo do exercício da democracia. Abraçar vertentes diversas, do extremo popular à discussão mais intrincada, é, afinal, especialidade de Pedro Bial, apresentador e responsável pelo roteiro final do programa, figura de frente do Big Brother Brasil e prestes a estrear como autor de teatro com Chacrinha: O Velho Guerreiro. Chacrinha, aliás, foi uma presença incorpórea na gravação.

Três horas mais tarde, depois do acalorado debate que o público verá na noite de 3 de julho na Globo, Bial falou de seu trabalho na TV e no teatro e desabafou sobre os ataques de que é alvo por causa do reality no ar há mais de uma década.

“Discordar de alguém não é ofender”

Nessa terceira temporada, o Na moralterá menos episódios. Qual é o efeito no programa?

Pedro Bial – Faremos sete edições até o início da campanha eleitoral, que vai ocupar o horário. A primeira temporada teve nove; a segunda, 13. Por um lado é pena, por outro, muito bom, porque os temas terão correlação mais estreita, a temporada pode ficar mais orgânica. Vamos começar com identidade nacional, depois falaremos de outras questões que têm a ver com isso, como racismo e justiça. O Na moral vai chegando, e eu fico nervoso, não durmo bem há uma semana pensando no programa. Acordo no meio da noite com alguma ideia. O programa é um palco de debates de assuntos que em geral são discutidos na TV a cabo. Trazemos isso para um ambiente popular. Precisamos também morder a concorrência, claro. Os programas de debate meio que desapareceram da TV aberta, não sei por quê.

Não seria talvez porque as pessoas repetem as mesmas opiniões socialmente aceitáveis e falta sinceridade?

P.B. – Essa falsa etiqueta precisa ser quebrada. A virulência dos debates está monopolizada e deformada pelas redes sociais. Quando mostra a cara, todo mundo posa de comportado. Seremos contundentes, buscamos isso. O melhor elogio que eu recebi para o Na moral foi da Cláudia Abreu, que participou da edição sobre aborto. Estávamos numa mesa com um ator que eu queria convidar para o programa. E ela argumentou para me ajudar: “O programa é ótimo porque lá as pessoas falam tudo mesmo.” É isso que perseguimos. Fica bom quando a pessoa não faz uma abordagem intelectual apenas e fala com o coração, quando faz um desabafo sobre o tema. Isso aconteceu quando o Pedro Cardoso participou da discussão sobre privacidade. Falar com raiva também é bom. Raiva não é feio, não. E discordar de alguém não é ofender.

“Ninguém vai ao circo para ver o acrobata acertar”

Falta a cultura da discórdia?

P.B. – Sim. Fui gravar chamadas na rua e você sente todo mundo embriagado pela liberdade que a democracia oferece. É a liberdade de xingar a presidente no estádio. Mas esquecem que difícil é garantir as diferenças, promovê-las, ouvir o que você não quer ouvir, dar voz a quem você detesta.

Você está dizendo, portanto, que vozes como a da âncora do SBT Rachel Sheherazade são positivas?

P.B. – Se ela não estivesse em outra emissora, certamente seria convidada para o Na moral. Ela representa o pensamento de parte significativa dos brasileiros. No ano passado, quando convidei o pastor Silas Malafaia para uma edição, houve resistência da equipe. Mas acho que todos devem ser incluídos no debate, comprometidos com o jogo democrático. Às vezes tenho que engolir em seco, respirar e ouvir coisas com que não concordo. Diagnósticos de Brasil opostos a tudo o que eu penso. E ainda peço à plateia para aplaudir. Muitas e muitas vezes.

Uma das edições da temporada será ao vivo, sobre o homem digital. Foi o BBBque te forneceu segurança pra fazer ao vivo? Não dá medo?

P.B. – O BBB me deu a cancha de fazer o ao vivo não controlado, em que erros podem acontecer, e acontecem. Ora, ninguém vai ao circo para ver o acrobata acertar. Acho que TV é para ser ao vivo, fica 300 vezes mais quente. É a diferença entre a rádio AM e a FM.

“Meu pai foi ator”

Você participa dos fóruns que Carlos Henrique Schröder (diretor-geral da Globo) criou. O que isso significa?

P.B. – Significa repensar a televisão e avançar. Desde 2013, a direção decidiu atiçar seus criadores. Avancem, ousem! É o que a gente ouve. É uma delícia, né?

Voltando ao programa gravado de hoje, o palco estava festivo, com moças dançando e um carnaval. Nos bastidores você estava com uma cartola de Chacrinha, mas não usou. Por quê?

P.B. – Foi a roteirista Fernanda Scalzo quem propôs aquele clima chacrinhesco para esquentar. Ela sabe que eu ainda estou com isso na cabeça. Fiz o primeiro tratamento da peça, que está prevista para o fim do ano. Também fui convidado para fazer o roteiro do filme (que deve ser rodado no ano que vem) e está tudo acertado verbalmente, mas ainda não assinei.

O que foi mais difícil?

P.B. – Me surpreendi ao escrever os diálogos que, achei, não conseguiria, mas não foi tão difícil, está quase bom (risos). Mas tive pudores sobre até onde ir na rubrica. Não é uma peça, é um musical, então o diretor tem que entrar muito também.

Você participou da escolha do diretor (Andrucha Waddington)?

P.B. – Não, mas apoiei muito, ele é meu amigo e vai fazer muito bem. Pretendo participar de tudo o que puder, assistir aos ensaios… Se essa coisa der certo, não pretendo parar por aqui. Adorei.

Você já quis ser ator?

P.B. – A Aniela (Jordan, produtora do espetáculo) brincou que eu poderia interpretar o Chacrinha. Essa chance para mim já passou. Estudei no Tablado, mas parei quando meu pai morreu. Eu era adolescente, fui jogar basquete. Só que me sinto muito próximo do teatro. Meu pai foi ator, contrarregra, diretor de cena. Foi esse trabalho dele que me permitiu estudar no Colégio Santo Inácio, ter uma boa educação. Ele fazia a ronda dos teatros para conferir o borderô e me deixava esperando no Teatro João Caetano inúmeras vezes. Por isso, sei de cor as letras, em português, de Hello Dolly. Agora, 50 anos mais tarde, Chacrinha – O Velho Guerreiro vai ser encenada lá. Uma emoção muito grande. Por causa do meu pai, me sinto muito mais do que um espectador no teatro, sinto que pertenço àquela gente.

“Nos primeiros anos, não ganhava bem”

Qual é o lugar do Big Brotherna sua vida?

P.B. – Ano que vem faremos uma edição que vai surpreender muito. O processo de seleção está sendo feito e participo pela primeira vez. Não vamos reinventar o programa. A virtude dele é justamente a simplicidade. Mas a seleção está diferente. Vai ter mais gente com jeito de gente comum, menos modelos.

Você gosta mesmo de fazer o programa?

P.B. – Gosto. E como somos muito atacados (ele se refere à equipe inteira), formamos um grupo coeso. É uma equipe contra todos. Claro que, depois de 14, 15 anos, recorro a toda a minha imaginação para me encantar e me mobilizar com aquele universo. Consigo sempre. Na minha vida, tenho uma história para contar: fiz parte de um fenômeno da TV brasileira. Eu me orgulho. Mas fico, sim, machucado e triste de tanto apanhar. É desproporcional. Entendo que odeiem o programa, mas, por isso, quererem destruir tudo? É uma interpretação pobre. Porque fui correspondente e fiz isso e aquilo, o fim da Cortina de Ferro e tudo o mais, é menos nobre apresentar o Big Brother? É só um programa de entretenimento, gente.

Você lê os ataques que lhe são dirigidos na internet?

P.B. – Não leio, não quero saber. Sempre fui desenturmado, sem jeito para o traquejo social. Continuo sendo dessa maneira.

Falam que você ficou rico com o BBB. É verdade?

P.B. – Na primeira edição, com a Marisa Orth, ganhei tão mal que na segunda me pagaram retroativo. Nos primeiros anos, não ganhava bem para fazer. Era quase por amor. Espírito de missão. A Globo me chamou, eu fui. Infelizmente, não fiquei rico. Ainda ganho menos do que mereço.

Você não faz publicidade por quê?

P.B. – Falta de convite. Ainda não apareceu na minha vida um Friboi ou uma Seara.

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Patrícia Kogut, do Globo