Há pouco mais de oito anos, o jornalista e sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho está, desde a estreia, à frente do programa VerTV, uma produção da TV Brasil, que discute, com especialistas, os conteúdos apresentados pela televisão brasileira, trazendo uma boa dose de reflexão para os telespectadores.
Pesquisador na área de Políticas da Comunicação e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Lalo acompanha as tendências e novas abordagens da televisão brasileira. Não é à toa que já escreveu quatro livros sobre a sociedade e a televisão.
Em entrevista à revistapontocom, o apresentador faz uma breve análise da atual programação da televisão brasileira. Na opinião dele, a audiência está mais exigente, mas ainda há muito a se fazer. “Infelizmente o público brasileiro, pela história de nossa TV, dificilmente tem a oportunidade de conhecer outros tipos de programas e programações. Fica difícil para o telespectador exigir níveis melhores de qualidade sem que ele conheça um referencial desse tipo. São várias gerações educadas para acreditar que esse modelo de TV é o único possível de existir”, destaca.
Acompanhe a entrevista:
Na avaliação do senhor, qual é o mérito do VerTV?
Laurindo Lalo Leal Filho – O programa estreou no dia 16 de fevereiro de 2006. Está portanto há mais de oito anos no ar. Acredito que o mérito principal tem sido o de colocar em debate o papel da televisão na sociedade brasileira sobre a qual ela exerce grande influência. Costumo dizer que a TV no Brasil trata, bem ou mal, de uma gama praticamente universalizada de assuntos, só não trata dela mesma. O VerTV procura, na medida do possível, realizar esse trabalho.
E de que forma isso acontece na prática?
L.L.L.F. – O programa procura levar ao público análises críticas sobre a televisão brasileira e, a partir daí, mostra, com exemplos nacionais e internacionais bem sucedidos, que um outro tipo de televisão é possível. Infelizmente o público brasileiro, pela história de nossa TV, dificilmente tem a oportunidade de conhecer outros tipos de programas e programações. Fica difícil para o telespectador exigir níveis melhores de qualidade sem que ele conheça um referencial desse tipo. São várias gerações educadas para acreditar que esse modelo de TV é o único possível de existir. Uma outra contribuição do VerTV para esse debate é dada pela sua reprodução e análise realizadas por professores em diferentes cursos no país. O programa acabou se tornando um importante instrumento didático, utilizado em salas de aula.
O senhor acabou de falar sobre o público que não tem outras referências de TV. Mas o senhor não acha que essa ‘audiência brasileira’ está mais exigente?
L.L.L.F. – Acredito que sim. Já houve momentos piores em nossa TV. Basta lembrar o que ocorria nos auditórios na década de 1990. Nessa época surgiu a Ong Tver e depois a campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania” como tentativas de enfrentar aquela situação. O próprio programa VerTV é resultado daquele momento. Essas iniciativas contribuíram para ampliar a visão critica da sociedade sobre os produtos oferecidos pela televisão. As coisas mudaram um pouco. Já não se vê, por exemplo, “teste de DNA” nos palcos ou ataques homofóbicos desferidos por apresentadores. Isso não quer dizer que não exista ainda muito a fazer. A exploração da violência como espetáculo segue revelando os níveis ainda rasteiros de nossa TV. Mas creio que o principal fator do aumento das exigências do público esteja sendo o grande crescimento dos níveis de escolaridade registrados no Brasil nos últimos anos. Pessoas mais ilustradas tendem a se tornar mais exigentes em termos de informação e entretenimento, dos quais a TV é parte importante.
E, por outro lado, o senhor acredita que os canais estão mais preocupados em oferecer qualidade?
L.L.L.F. – Isso não. Infelizmente o referencial único dos canais comerciais são os índices de audiência cujo resultado determina a obtenção maior ou menor de receitas publicitárias. Então as mudanças só ocorrem quando o público começa a se afastar deste ou daquele programa. As mudanças são realizadas apenas para fazer com que a audiência não caia. O critério qualidade é secundário.
E o que seria um programa de qualidade?
L.L.L.F. – São programas que despertem o espírito crítico do telespectador. Que elevem a sua sensibilidade em relação ao mundo e à vida. Ou numa síntese feliz de alguns fundadores da televisão pública europeia: que tornem os temas simples respeitáveis e os complexos agradavelmente simples. Vou dar um exemplo de um programa de qualidade que vi há alguns anos na TV Globo: a Paixão de Cristo, encenada pelo Grupo Galpão nas ruas de Ouro Preto. Excepcional. Reuniu a competência técnica da emissora e o alto nível de qualidade artística do grupo teatral mineiro na abordagem de um tema de fácil assimilação para o público. Pena que tenha sido apenas um raro exemplo de qualidade e não uma constante.
O senhor citou uma TV comercial e o seu foco na audiência. E o que dizer dos outros tipos de TVs, a pública e a estatal?
L.L.L.F. – Essa divisão ainda é muito precária. Na verdade nós temos uma televisão comercial hegemônica, ditando os padrões da TV brasileira, ao lado de um grupo pequeno de emissoras estatais e de outro, ainda mais reduzido, de emissoras que podem ser consideradas públicas. A programação das comerciais apresenta padrões muito semelhantes, todas reproduzindo as mesmas formas que consideram eficazes na luta pela audiência. É por isso que torna-se falaciosa a frase “o melhor controle é o controle remoto”. Para quê usar o controle remoto se ao trocar de canal se vê a mesma coisa? Mudam os cenários, os apresentadores, mas os conteúdos são os mesmos. As poucas experiências em busca daqueles padrões de qualidade que mencionei anteriormente vêm das emissoras não comerciais. Experiências que, quase sempre, não têm continuidade pelos eternos problemas de recursos e de gestão.
O que podemos apontar, hoje, como avanços e desafios na TV brasileira?
L.L.L.F. – A diversidade de ofertas através das TVs por assinatura (para uma parcela privilegiada economicamente da população) e da proliferação das antenas parabólicas têm sido fatores positivos na medida em que oferecem a um público maior canais não comerciais, cuja referência principal não é a busca de elevados índices de audiência. Alguns desses canais, dentro de suas limitações, têm oferecido programas de melhor qualidade, inexistentes nas emissoras comerciais. O desafio maior neste momento é aprovar uma Lei de Meios semelhante a que está em vigor na Argentina. É a única forma de ampliar o número de vozes na televisão brasileira, dividindo o espectro eletromagnético em partes iguais para que emissoras públicas, comunitárias e comerciais. Só assim, a riqueza e a diversidade cultural existente no pais poderá ser vista e assimilada por todo o público brasileiro por meio da TV.
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Marcus Tavares é jornalista, professor e especialista em Educação e Mídia