Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A busca pela qualidade e inovação

A telenovela é o produto de maior sucesso e repercussão da televisão brasileira desde a década de 1970. Comparada à paixão nacional pelo futebol, a novela continua sendo um elemento cultural identificador do nosso povo. A ascensão de novas mídias e as mudanças no comportamento do público, no entanto, mostram que o nível de abrangência dos folhetins eletrônicos tem diminuído gradativamente. As histórias campeãs de audiência não alcançam mais a mesma repercussão. Cada ponto da pesquisa Ibope, que equivale a 65 mil telespectadores, é buscado com a mesma intensidade, uma vez que as metas idealizadas pela Rede Globo não se concretizam há muito tempo.

Tal situação põe em xeque o espaço da telenovela na vida do brasileiro? Em parte, sim. Embora seja evidente que muitos ainda não possuem acesso à televisão por assinatura e ainda vejam a Globo como única referência de TV no país, a cada ano os números da audiência têm mostrado a migração do público para outras mídias e outros canais.

Desde que assumiu a direção-geral da Globo, Carlos Henrique Schröder anunciou que não existem mais metas numéricas, mas sim, a busca pela qualidade e inovação. Em entrevista concedida ao jornal O Globo no início do ano, Schröder falou sobre a aposta em formatos mais curtos, como as séries semanais com episódios continuados (caso de O Caçador) e em novelas e minisséries com tons mais inovadores, a exemplo da possibilidade de uma novela inédita entrar no ar na faixa das 23h, em 2015. É louvável a iniciativa da inovação se sobrepor à audiência, mas a “fuga” do público é digna de estudo e cautela. Em pouco tempo, tem se visto um afastamento cada vez mais intenso do telespectador.

Antes de discutir a situação da Globo, Record e SBT também se mostram como painéis importantes para análise. Silvio Santos conquistou o mérito de fazer da sua emissora o espaço-mor para as tramas infantis. O sucesso de Carrossel e Chiquititas comprova o potencial do público mirim para o consumo de produtos midiáticos. Não por acaso, o SBT tem se favorecido com os números da audiência na faixa das 20h30.

A Record, por sua vez, vive uma situação bem diferente e não muito agradável. Poucos atores têm renovado os seus contratos e o casting da emissora está cada vez mais seleto. Seja por opção da casa ou por escolha do artista, os contratos da segunda maior produtora de novelas do Brasil estão sendo encerrados e as perspectivas para o futuro da emissora são desanimadoras. Vitória, a atual trama no ar, no horário das 21h15, além de ter como difícil missão a concorrência direta com a novela das 21h da Globo, estreou em período de Copa e com protagonistas, em geral, de pouco carisma, fatores que trouxeram a atmosfera de fracasso. Embora seja escrita por uma das mais competentes dramaturgas do canal, Cristianne Fridman, Vitória teve a má-sorte de estrear em uma fase marcada pelo descaso da Record com a dramaturgia. Não faltam profissionais de talento na emissora, mas falta uma política de divulgação dos produtos e investimento em novos formatos e em horários que tragam o devido retorno. A Record de hoje em nada se assemelha com a emissora que abalou a hegemonia de novelas da Globo na década passada. Ainda em 2014, haverá a estreia de Plano Alto, do talentoso Marcílio Moraes, autor da bem-sucedida Vidas Opostas (2006) Trata-se de uma minissérie de temática política que pode agradar em cheio, caso não seja colocada em um horário ingrato e diminuída com a estreia da nova edição do reality A Fazenda. As minisséries bíblicas encontram um espaço e um público tímidos. No ano que vem, será a vez de estrear a primeira novela com temática religiosa, Os Dez Mandamentos. Ultrapassar os dez pontos de audiência, para a Record, no quesito novelas, já seria um marco e tanto para o quadro atual.

Narrativa capaz de convencer

Na Globo, os ares são de intensa reformulação. As novelas das 18h nunca viveram um movimento tão grande de tramas curtas e diferentes, em tese, uma das outras. A espinha dorsal do melodrama se mantém em todas elas, mas nota-se uma tentativa desenfreada de agradar todo e qualquer público. A “antiga” meta de 25 pontos não é atingida desde Flor do Caribe (2013). De lá pra cá, os números oscilam de forma preocupante. De 2011 até hoje, tem se visto muitas histórias com potencial e popularidade, mas que em nada se comparam com o padrão de audiência que o horário já apresentou. A tentativa de inovação é a marca de todas elas. Com Cordel Encantado (2011), o universo fantástico nordestino ganhou ares de conto de fadas. A Vida da Gente (2011-2012) mostrou-se como uma grande crônica de costumes, em um estilo bem próximo dos bons tempos de Manoel Carlos. A autora, Lícia Manzo, volta em 2015 com uma nova história. Amor, eterno amor (2012) foi mais uma novela de temática espírita que nada trouxe de novo. Lado a Lado (2012-2013) ganhou o Emmy, mas não conquistou um grande público, apesar da reconhecida qualidade. Flor do Caribe (2013) foi uma versão anos 2000 de Tropicaliente. Joia Rara muito prometeu e pouco repercutiu.

Com Meu Pedacinho de Chão, remake da trama de Benedito Ruy Barbosa, Luiz Fernando Carvalho trouxe sim, muita inovação. A atual trama das 18h não é um sucesso de audiência, mas fez uma revolução no horário, ao rever os limites da verossimilhança e exacerbar nas doses de onirismo. A novela é uma fábula colorida, leve, moderna e tradicional ao mesmo tempo e movimentou o público fã do gênero. Foi uma das grandes inovações já vistas nas novelas globais, nos últimos anos. Ao sair de cena no dia 1º de agosto, vai ser lembrada como uma trama que cumpriu com seu dever de entreter com qualidade. Para substitui-la, Ruy Vilhena chega com seu primeiro voo-solo no Brasil: Boogie Oggie, que chama a atenção pelas chamadas criativas e pelo revival das danceterias, algo que pode conquistar o público sedento de grandes histórias. Aliás, o departamento de publicidade da Globo merece o reconhecimento pelas chamadas de novelas, cada vez melhores.

Às 19h, a emissora tem se dado ao luxo de fazer experiências cada vez mais questionáveis e com baixa repercussão. Há muito tempo não se chega à marca dos 30 pontos (considerando a Grande São Paulo). Desde o término de Sangue Bom (2013), o horário não apresenta uma trama típica das comédias “açucaradas do horário”. Inovar é preciso, mas exagerar é um risco. A novela que acabou em maio, Além do Horizonte, não convenceu o público, embora a narrativa de aventura construída em cima do “mito da felicidade” tenha agradado à crítica. Com Geração Brasil, a Globo esperava voltar a sorrir, mas a história de Felipe Miguez e Isabel de Oliveira peca exatamente pelo enredo nada atraente e desenvolvido de forma confusa. Como destaca o crítico especializado em novelas Nilson Xavier, Geração Brasil se perdeu na tentativa de inovar no horário. O roteiro sobre tecnologia e informática mostrou-se frágil e confuso, apesar das boas interpretações do elenco. Estranho imaginar que a novela foi escrita e dirigida pela mesma equipe de Cheias de Charme (2012). Mais estranho ainda é a Globo não ter percebido que uma novela sobre informática em níveis exagerados poderia ser um risco. Os diálogos são truncados e versam sobre um tema que a população não domina. Fala-se em sistema de computação como se estivesse falando de algo rotineiro. A Parker TV torna-se um cenário repleto de formatos televisivos, mas a tentativa de metalinguagem não convence, haja vista a falta de ganchos com potencial para “fisgar” o público. Falta em Geração Brasil aquilo que faz todo mundo parar para ver uma novela: uma boa história. Não só de grande elenco ou de muito marketing se faz uma trama. O público quer mesmo é se envolver em uma narrativa de qualidade e capaz de convencer dentro dos limites da ficção.

Transformação de hábitos

Na faixa das 21h, Império é a aposta do momento. A julgar pelos seis primeiros capítulos, Aguinaldo Silva e equipe têm uma super novela nas mãos. A história mostrou-se convincente, bem construída e repleta dos elementos clássicos que sempre marcaram o gênero: mocinhos e mocinhas bem delineados, vilãs carismáticas, personagens de apelo popular e uma trilha repleta de clássicos fazem de Império um “novelão” mesmo, como prometeu o autor. Até a abertura lembra as novelas mais antigas, mas que tinham uma repercussão muito melhor. A direção competente do núcleo de Rogério Gomes deu a novela um ritmo cinematográfico sem subverter o gênero. Assiste-se a uma história com potencial de agradar ao público e, quem sabe, atingir os sonhados 40 pontos, marca não atingida com muita frequência desde o fenômeno Avenida Brasil (2012). O elenco de Império é outro acerto. Trata-se de uma grande promessa, possível de fazer o público esquecer o naufrágio de Em Família (2014), os exageros e erros de Amor à Vida (2013-2014) e a história desconcertante e repleta de personagens “soltos” vista em Salve Jorge (2012-2013). Nas redes sociais, Império repercutiu com uma intensidade parecida com os sucessos de outrora.

No horário das 23h, a busca por novas formas de narrar atinge o ápice com O Rebu, remake da trama de Bráulio Pedroso, exibida em 1974. Na nova versão de George Moura e Sérgio Goldemberg, a história está mais próxima do seriado estadunidense. A edição não-linear alia-se a uma montagem clipada, repleta de planos rápidos, que impõe à narrativa uma montagem densa e intensa. Não se pode “piscar os olhos” na história. A direção de fotografia do renomado Walter Carvalho dá um tom de minissérie e de cinema à novela das onze. O fato de concentrar a narrativa em único conflito básico, marcado por muitos e bem realizados flashbacks, mostrou-se como uma iniciativa arriscada. A novela não atingiu ainda a audiência esperada. Em parte, a situação decorre das oscilações de horário (com exibições às segundas às 22h30, terças e quintas às 23h e sextas às 23h20). De fato, O Rebu é uma novela para poucos, mais cult do que pop. Pode não trazer a repercussão que se imaginou, mas valoriza o gênero e a emissora, que comprova sua capacidade de inovar sem perder as raízes. A crítica ainda duvida se a história pode ser chamada de novela, mas a qualidade da história é notável, embora ela atinja apenas alguns nichos. Aliás, a faixa horária tem sido marcada por remakes que buscaram “reconstruir” as tramas originais, sem copiá-las. Foi assim com O Astro (2011), Gabriela (2012) e Saramandaia (2013).

Diante de tal cenário, o que se pode esperar do futuro da telenovela? Não se trata de um discurso apocalíptico, mas de uma constatação evidente de que os tempos são outros. Qual pode ser a saída para o gênero? Uma desvirtuação que a aproxime dos seriados? Uma diminuição de capítulos que evite o desgaste e o cansaço do público? Por que as histórias não agradam mais como antes? Em tempos de pós-modernidade, o que se vê é uma plateia exigente ao extremo. Não há perdão para os erros, com internautas que postam a cada segundo críticas duras de pouco mais de cem caracteres. O público critica, debocha, questiona e muda de canal sem dó. Tal comportamento reverbera na escrita, o que faz com que os autores tentem entender como funciona a cabeça do telespectador contemporâneo, dividido entre a tela da tevê, do celular e do computador. Vive-se uma era de transformação absurda nos hábitos do público. A interatividade só tende a aumentar e as chances de ver outras histórias podem afastar a audiência das novelas. Os canais a cabo têm se mostrado mais aptos a lidar com as novas narrativas, mas ainda há muito que se fazer na TV Aberta. Será uma crise de criatividade ou um excesso de exigência do público? É a hora de outra emissora investir em séries e formatos tão rápidos e intensos quanto às relações modernas? O que esperar de Babilônia, Favela Chique, Lady Marizete e Sete Vidas, as tramas que ocuparão os horários principais da Globo em 2015, ano do seu cinquentenário? Como o SBT e a Record vão lidar com essa situação? A crise de novelas pode fazer com que o número de tramas em exibição diminua? Reprises, como a de Cobras e Lagartos, ainda têm espaço na TV? A repercussão das atuais e próximas novelas podem trazer respostas a essas perguntas e dimensionar o papel que os folhetins eletrônicos ainda ocupam na vida do brasileiro.

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Tcharly Magalhães Briglia é professor