Programas de TVde mau gosto extremado, comandados por profissionais de mídia despreparados e sem qualquer capacidade de construir uma análise ética dos fatos, são apresentados ao público brasileiro diariamente, fomentando uma onda de ódio cada vez maior. Eles utilizam chavões relacionados à liberdade de expressão e buscam inserir-se entre os comportamentos tidos como democráticos, sendo aceitos pela camada mais desinformada da sociedade.
Esse pseudojornalismo, mais para um reality show, contribui para o embrutecimento social em um cenário no qual o ser humano é visto tão somente como um objeto destituído de qualquer sentimento. Como robôs, esses apresentadores incorporam personagens de um circo de horrores, onde as cenas de sadismo, o tom militarista e o palavreado chulo ampliam a audiência, num jogo fascista que eles próprios desconhecem, por falta de lastro cultural.
A filósofa alemã Hannah Arendt, quando cobriu para uma revista norte-americana o julgamento de um dos carrascos do nazismo, Adolf Eichmann, seguiu uma linha de pensamento que chamou de “a banalização do mal”, depois transformada em livro. Para ela, o assassino de milhares de judeus agiu como mero cumpridor de ordens, sem se preocupar muito com sentimentos, ética ou a vida humana.
O mesmo ocorre nos dias de hoje com os apresentadores desses programas. Seguem o roteiro, apenas. Desconhecem sentimentos e evitam deter-se em uma análise sobre o que uma cena poderá causar de mal. Recentemente, o programa Alerta Geral, da TV Vitória (afiliada da Record no Espírito Santo), mostrou um homem parecendo estar sob o efeito de álcool abraçado a uma viga de madeira, na qual fazia carícias e beijava como se fosse uma mulher. O apresentador ria às gargalhadas e zombava do homem, repetindo o quadro várias vezes, numa clara demonstração de sadismo.
Publicam, para depois apurar
Ora, como justificar a apresentação desse quadro, levando em consideração o conceito do que é notícia? O personagem não tinha nome, não havia nada contra ele, não estava desacatando ninguém, enfim, não havia uma história. Só o triste quadro de um ser humano em situação deplorável, mesmo estado do apresentador gargalhante, para quem preza o bom-senso e sabe fazer jornalismo, o que, certamente, não é o caso do apresentador citado.
É bom lembrar, nesses casos, que as emissoras de TV são concessões públicas e, por essa razão, devem ser reguladas por normas que privilegiem a ética e o bom jornalismo, aliás, como existe em vários países, como Estados Unidos, Inglaterra, França, entre outros. Não se trata de censura, como afirmam os defensores da audiência a qualquer custo. As normas de concessões públicas da mídia eletrônica não podem contribuir para maior embrutecimento da sociedade, como está ocorrendo no Brasil, sem falar na concentração de renda publicitária por um grupo pequeno de grandes empresas.
Além disso, esses programas ignoram uma das regras de ouro do bom jornalismo, a de sempre ouvir o outro lado. A uma denúncia, colocam o caso no ar: publicam, para garantir a audiência, para depois apurar, o que nem sempre acontece. Em consequência, há o crescente embrutecimento da sociedade, com descrédito para o jornalismo, quando a verdade vem à tona. E ela sempre aparece, mesmo que demore.
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Roberto Junquilho é jornalista aposentado e freelance