Ao escrever sobre os primeiros capítulos de “O Rebu” em meu blog no UOL, elogiei a novela, mas manifestei incômodo com o marketing em torno dela. Achei estranho a Globo enfatizar como uma espécie de troféu o fato de a narrativa se concentrar inteiramente em uma noite, durante uma festa, ao longo da qual ocorre um crime.
Esta foi, de fato, a grande ousadia da história escrita por Bráulio Pedroso, exibida em 1974. Na versão original, as poucas horas da festa renderam 112 capítulos. Na atual, em exibição, a festa vai durar 36 episódios.
No material de divulgação da nova versão e nas diversas entrevistas dadas a respeito, o diretor-geral, José Luiz Villamarim, os autores, George Moura e Sergio Goldenberg, e os principais atores se desdobraram em menções ao assunto.
“Com certeza, hoje, o telespectador está mais preparado para assistir a O Rebu’ por estar mais familiarizado com este tipo de narrativa que modifica a lógica do tempo real”, disse, por exemplo, Villamarim.
Ora, se esta inovação ocorreu há 40 anos, por que tanta preocupação em explicá-la em 2014? Será que a emissora tinha a percepção de que o público, ao longo deste tempo, segue incapaz de compreender uma história não linear?
Discussão ética
Para minha surpresa, a resposta a esta segunda questão é “sim”. Em um evento paralelo da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), Moura, Goldenberg e Villamarim falaram da adaptação para uma pequena plateia na Casa do Autor Roteirista.
“O que mais me fascinou na novela do Bráulio é o arrojo da narrativa. Alguém pode dizer que isso está assimilado. Não é bem assim quando a gente vê a reação das pessoas”, disse Moura.
O objetivo do encontro era homenagear Pedroso. Mas a conversa serviu para mostrar que, 40 anos depois, um recurso básico da literatura policial ainda é de difícil compreensão por parte do público da TV aberta.
“Nunca mais se fez uma novela com esse arrojo narrativo. Não é nada simples. Ainda é difícil, hoje, para o espectador compreender a suspensão do tempo. O espectador está acostumado a ver o tempo da narrativa espelhar o seu tempo”, acrescentou Moura.
“Bráulio começou a fazer novela nos anos 60 [é autor de Beto Rockfeller’]. Ele traz a realidade brasileira para dentro da novela. Não foi o único. Essa geração deu uma cara para a novela brasileira, uma cara que ela tem hoje”, disse Goldenberg.
Pedroso aproveitou “O Rebu” para traçar um retrato bem crítico da elite brasileira de então. Segundo os dois autores do remake, este espírito permanece na nova versão, apesar de muito mais sutil. “A gente teve plena liberdade para tratar da alta classe. Na novela, nada é muito o que parece”, disse Goldenberg.
“O audiovisual brasileiro retrata pouco a elite brasileira. Se a gente conseguir fazer 5% do que João Moreira Salles fez no documentário Santiago’ já estarei satisfeito”, disse Moura.
Os autores chegaram a pensar em rebatizar “O Rebu” como “Os Amorais”, mas no fim decidiram manter o título original, uma marca forte.
Falando no tema, Villamarim revelou: “Queria ter feito um ‘Breaking Bad’ no Brasil. Estamos querendo discutir ética no país. E acho que essa discussão passa pelo ‘Rebu’, sim.”
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo