Na transição lenta e gradual rumo a um modelo de televisão com mais seriados e menos novelas, duas estreias recentes merecem toda a atenção.
“Animal” e “A Segunda Vez” estão sendo exibidos para assinantes dos canais GNT e Multishow, respectivamente. Por razões diferentes, ambos ajudam a explicar não só a crise, mas o próprio movimento de transformação pelo qual passa a TV aberta no Brasil.
O caso mais interessante é de “Animal”, exibida às quartas, às 23h. A série descreve as aventuras de um biólogo, vivido por Edson Celulari, que volta à sua cidade natal, no Rio Grande do Sul, em busca de cura da teriantropia, um mal descrito pela mitologia e pela psiquiatria como a capacidade de um ser humano se transformar em animais.
João Pedro Gil, o personagem, diz sofrer do mal, assim como seu pai, que foi assassinado quando ele era criança. A chegada à pequena Monte Alegre o faz reviver conflitos antigos, que envolvem a sua família e outros personagens misteriosos.
Filmado com enorme cuidado em locações externas, aproveitando paisagens lindas e menos comuns, ritmo suave, bons personagens, elenco bem escolhido, o programa claramente busca se posicionar como uma opção de entretenimento de alto padrão.
O curioso é que o projeto de Paulo Nascimento foi apresentado e desenvolvido dentro da Globo, em 2012, a partir de formatos de seriados norte-americanos que o cineasta admira.
Cada um dos 13 episódios, de 50 minutos, conta uma história, mas alimenta a imaginação do espectador para os que vêm a seguir com informações, pistas e sugestões.
Bom exemplo
No meio do caminho, a Globo desistiu de produzir “Animal” e o repassou para o GNT, um dos canais do grupo na TV paga. O GNT, por sua vez, contratou uma produtora, no caso a do próprio Nascimento, para realizar a série sob supervisão, veja só, da Globo, cujos créditos aparecem ao final de cada episódio.
Em resumo, “Animal” é uma série com a qualidade de poucas outras que a Globo realizou recentemente, mas que a emissora, por algum motivo, teve receio de exibir em sua grade. Uma segunda temporada será filmada ainda este ano e uma terceira já está encomendada.
Já “A Segunda Vez”, exibida de segunda a sexta, às 22h30, pelo Multishow, é um caso oposto. A série, produzida pela experiente Conspiração, inspirada em um romance de Marcelo Rubens Paiva, consegue reunir duas qualidades que a TV aberta busca desesperadamente: entretenimento fácil, mas de qualidade.
Em episódios de 30 minutos, o programa descreve as aventuras de Raul, um jornalista em decadência que, por acidente, é levado a se tornar agenciador de garotas de programa de luxo.
Vivido por Marcos Palmeira, o personagem é apresentado de forma simpática, com tintas de herói trapalhão. Para facilitar a compreensão e empatia com o público, os pensamentos de Raul, narrados em off, fazem contraponto a todos os seus diálogos.
Divertido, ágil, com bom elenco de apoio, também, além de muitas cenas sensuais, “A Segunda Vez” me parece um bom exemplo de como a TV paga está buscando cativar espectadores recém-chegados a este universo, mas ainda ligados ao modelo da TV aberta.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo