Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Debate ou entrevista?

Como jornalista e estudiosa do jornalismo compartilho da linha de pensamento de Cremilda Medina, na qual a entrevista é uma arte e deve caminhar para o diálogo possível. Ainda de acordo com Medina, a entrevista se divide em dois grandes grupos: o da compreensão e do espetacularização. O primeiro diz respeito aos tipos e formatos de entrevista que levam entrevistador e entrevistado a um mergulho no conhecimento amplo e uma compreensão maior sobre o tema ou sobre o ser entrevistado. Neste grupo, o respeito e o diálogo marcam a tônica da conversa. No segundo grupo, o da espetacularização, temos os formatos que se notabilizam pelo sensacionalismo em que nem sempre compreender o fato em discussão é o mais importante, mas sim expor o entrevistado ou o fato de forma a provocar a sensação negativa de um espetáculo.

Ainda citando pensadores do jornalismo, Mário Herbolato em seu livro Técnicas de Codificação e Difusão em Jornalismo, destaca, no capítulo que trata da entrevista, as regras de como o jornalista deve proceder durante a entrevista. Dentre elas, duas são necessárias para compor a exposição da minha visão sobre a entrevista apresentada pela Rede Globo, no Jornal Nacional, na noite de segunda-feira, 18 de agosto, com a presidente Dilma Rousseff. A primeira regra trata da postura do jornalista. O autor afirma que o entrevistador não deve entrar em embate com o entrevistado; a segunda regra diz que as perguntas devem ser curtas e objetivas. Na referida entrevista, não vi da parte dos entrevistadores, William Bonner e Patrícia Poeta, nenhuma dessas regras em prática.

Como estava doente naquela segunda-feira, me ausentei da sala de aula do curso de Jornalismo da Universidade de Uberaba, onde leciono. Pude assistir à entrevista em primeira mão. Da cama, senti um desconforto logo na primeira pergunta, num discurso feito pelo jornalista William Bonner de forma acusatória, como se quisesse já desestabilizar a entrevistada de primeira (aqui outra regrinha ferida: a que diz que nunca se começa uma entrevista pela pergunta mais bombástica). As interrupções de forma enérgica, como se quisesse rebater as respostas dadas pela presidenta, me fez lembrar os debates entre candidatos. No caso de debate, entende-se que o clima é tenso, as perguntas são ásperas e o “bate-boca” é inevitável. Mas em uma entrevista? Não faço parte da escola de jornalismo que defende a ideia de que o entrevistador tenha que tomar partido e deixar claro a sua posição ideológica.

Jornalistas deixaram o papel de mediadores

Mesmo que digam que William Bonner não queria expressar a sua ideologia, mas simplesmente exercer um jornalismo combativo, não foi isso que ficou claro. Acho que nós perdemos quando não conseguimos obter claramente as respostas dos entrevistados. Ao final da entrevista ficou aquela sensação: e aí, o que a entrevista quis mostrar? Que os entrevistadores sabem de tudo e que a entrevistada não respondeu nada do que eles queriam ouvir? Onde está a verdade? Onde estão os dados que poderiam embasar melhor as perguntas? Se era um debate, o que os entrevistadores do Jornal Nacional estavam defendendo? Cada candidato que está sendo entrevistado defende um propósito, um partido politico. Estão ali porque pretendem vencer as eleições presidenciais.

Se a entrevista com os candidatos pairasse no nível da compreensão teríamos mais condições de avaliá-los. Quando os jornalistas deixam o papel de mediadores para se posicionarem em um dos lados do cabo de guerra, somos nós, espectadores, eleitores, que perdemos nessa disputa.

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Celi Camargo é jornalista e professora