Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo incisivo ‘versus’ jornalismo ignorante

O Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, não atinge mais a hegemônica audiência registrada até a década de 90. Porém, ainda tem uma relevância bastante significativa na formação da opinião dos brasileiros. Logo, ao agendar entrevistas com os principais candidatos à presidência do Brasil para as eleições deste ano, se tornou o importante palanque de outrora.

A emissora é estigmatizada por ser complacente com o sistema político nacional e indagar pouco sobre os reais problemas do país. Os apresentadores William Bonner e Patrícia Poeta, desta forma, assumiram uma postura agressiva e equivocada, tudo na tentativa de mostrar aos telespectadores que não iriam poupar nenhum dos entrevistados de temas polêmicos. Fazer a pergunta que o povo quer saber, como gostam de dizer os jornalistas.

Apesar de o intuito ser louvável, na prática nada de exemplar aconteceu. Seja com Aécio Neves (PSDB), Eduardo Campos (PSB) ou Dilma Rousseff (PT), a bancada do Jornal Nacional vestiu a ideologia ignorante ao invés de abraçar a perspicácia.

Aécio Neves foi a primeira entrevista, no dia 11 de agosto. E a pergunta inicial de Bonner foi amena. Embora, logo após a resposta do candidato, o âncora tenha soltado: “Você não respondeu minha pergunta.”

A ministra vitalícia do TCU

Essa ideia seguiu em todas as outras ocasiões. Há o mal típico dos jornalistas de quererem que o entrevistado dê a resposta que queriam ouvir. Caso não fiquem satisfeitos, persistem na pergunta, não respeitando o entrevistado, muito menos aproveitando o que foi respondido para elaborar uma pergunta mais apropriada. Daí, se escoram em clichês jornalísticos, como o que Bonner proferiu.

Com Aécio Neves, deixando de lado as intervenções inconvenientes de Bonner – o mesmo aconteceu quando o assunto aeroporto surgiu –, as perguntas foram boas, as melhores da série. Poeta o questionou corretamente acerca dos casos de corrupção no PSDB (“Por que o eleitor vai acreditar que exista diferença entre os dois partidos [PT] quando o assunto é corrupção?”). Ela também foi precisa ao lembrar que Aécio vai continuar com os programas de transferência de renda criados pelo PT (“O eleitor deve votar em você por isso, e não na presidenta, já que os programas sociais estão trazendo resultados?”).

A exatidão de Poeta parou aí. Seu ponto mais baixo foi justamente na entrevista seguinte, no dia 12, com o então candidato do PSB, Eduardo Campos. A sabatina começou esculachada após ela perguntar “Qual promessa que você [Eduardo] não vai cumprir?” – dentro do contexto de que Eduardo dizia querer aplicar inúmeros projetos sem cortar gastos. Típica questão ignorante, deselegante e incompatível com a ideia de ser incisiva. É uma situação criada para deixar opiniões de quem entrevista subentendidas. Ação repetida com frequência.

Por exemplo, Bonner queria ouvir de Eduardo que apoiar sua mãe (Ana Arraes) na disputa para o cargo de ministra vitalícia do TCU (Tribunal de Contas da União) foi nepotismo. Indagar sobre a situação é totalmente válido e Eduardo deu sua versão dos fatos. Contudo, Bonner se mostrou insatisfeito com dito e foi repetitivo. Até que ouviu um enfático e sonoro “Não!” ao perguntar: “O senhor não vê nada de errado em seu empenho nessa eleição [da sua mãe]?”.

Quem se acha dono da verdade…

Poeta ainda deixou seu despreparo aflorar ao opinar em forma de pergunta, mostrando insatisfação com a resposta negativa de Eduardo quando perguntado se o ano de 2015 será difícil, duro para a economia.

A vez de Dilma, candidata à reeleição, foi no último dia 18. Aqui pôde ser notado exemplo maior da atrapalhada do JN em fazer um jornalismo no mínimo digno. Tentou forçar, sem ser natural, e o desastre foi o resultado. Bonner começou fazendo uma pergunta de cunho pessoal para Dilma (válida, mas não dentro do contexto e proposta da entrevista), ao indagar se há dificuldade dela e do seu partido (PT) de ficarem ao lado de pessoas honestas – um juízo de valor descabido. Dilma dava sua visão com tranquilidade até ser interrompida por Bonner – postura do apresentador que foi comum na entrevista, não deixando Dilma finalizar o raciocínio criado. Ela foi sagaz após a primeira interrupção e devolveu um “continuando o que eu estava dizendo…”

Os âncoras tentaram com Dilma o mesmo que fizeram com Eduardo: colocar palavras na boca do entrevistado. Além de Bonner fazer uma pergunta ruim sobre o mensalão petista, permitindo que a presidente saísse do controverso tema, que merecia uma explicação melhor dela. Bonner chegou a soltar um “então que dizer que você é contra a atitude do partido nesse caso…”, ponderação perfeita para um debate ou conversa, e não em uma entrevista – a função de interpretar o que está sendo dito é do telespectador e não dos âncoras. Bonner também não aceitou as respostas de Dilma sobre a economia do Brasil, em outro claro exemplo de deselegância.

Poeta jogou sujo com Dilma em ação similar ao feita com Eduardo. Ela lançou a candidata contra o público ao enumerar diversos problemas da saúde ao não concordar com o diagnóstico apresentado pela presidente sobre esse setor. É óbvio que o jornalista não deve abaixar a cabeça para entrevistado, principalmente políticos em época de eleição, treinados exaustivamente para fugir de temas capciosos. O contraponto aqui é de que isso não justifica ser ignorante, jogando no ralo a cartilha do bom jornalismo.

A Globo direcionou seus principais âncoras para serem incisivos, mas não foram. Confundiram as coisas – talvez por falta de prática – e as entrevistas, com exceção da do Aécio Neves, viraram verdadeiros debates com os globais do lado da razão.

Tem coisas que não dá pra mudar. Quem se acha, quem entende ser a dona da verdade jamais vai engolir o orgulho e fazer o trabalho mais laboral possível.

Coisa de gente ignorante.

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João da Paz é jornalista