Marcelo Gleiser, professor titular de física e astronomia do Dartmouth College (EUA), é um dos maiores cientistas brasileiros da atualidade. Através de uma linguagem acessível, mas sem perder o rigor acadêmico, Gleiser é famoso por divulgar o conhecimento científico para o grande público. Por outro lado, o programa Esquenta, apresentado por Regina Casé e exibido pela Rede Globo aos domingos, é o principal representante da “nova classe média” na programação televisiva. Como milhões de indivíduos dos estratos inferiores da pirâmide social ascenderam socialmente nos últimos anos, formando assim um novo mercado consumidor, é natural que eles estejam representados na maior emissora do país.
No domingo (24/8), o físico foi o principal convidado da atração comandada por Regina Casé. Geralmente em encontros inusitados como este, entre indivíduos de áreas completamente diferentes, uma das partes envolvidas tem que ceder à outra. Ou o Esquenta deveria ter uma conotação mais “séria”, inerente à presença de um cientista; ou então as falas de Gleiser seriam distorcidas pelo viés popularesco da atração global. Como era de esperar, devido às próprias características da grade televisa brasileira, a segunda opção prevaleceu.
Ao infinito
Apesar de alguns pontos interessantes, como o emocionante exemplo do ex-catador de lixo Cícero Batista que encontrou nos livros uma maneira de transformar a sua vida e atualmente é médico, o saldo final da atração dominical apresentada por Regina Casé foi negativo. A grande capacidade didática de Marcelo Gleiser foi subaproveitada. O cientista teve poucas oportunidades de demonstrar seus conhecimentos ao longo do programa. Não obstante, assim como um buraco negro suga tudo que está ao seu entorno, inclusive a luz, os conceitos astronômicos foram absorvidos pela atração global e banalizadas em jogos anódinos com músicos popularescos entoando canções de massa.
Sendo assim, mais uma excelente oportunidade de levar conhecimento científico ao grande público foi sumariamente desperdiçada. Quando se aborda ciência na televisão brasileira, ao invés de elevar a qualidade dos debates, nossos meios de comunicação preferem o nivelamento cultural por baixo, tratando temas absolutamente complexos de forma leviana. É a clássica lei do menor esforço. Como bem exemplificou a bióloga Daysa Athaydes, em observação feita nas redes sociais, o cientista natural Richard Rasmussen, que já era conhecido em canais fechados com seus programas de divulgação científica (sobretudo na área de Zoologia), quando se transferiu para o SBT transformou-se em uma figura patética, para ser palatável ao novo público.
Parafraseando uma clássica observação de Albert Einstein, duas coisas são infinitas: o universo e queda da qualidade da programação televisiva no Brasil.
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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena