O que não falta na televisão são programas de culinária. Tanto na TV aberta como nos canais por assinatura. O tradicional formato da senhora sorridente dando o passo a passo da receita, ao lado do fogão, foi desdobrado em dezenas de modelos. Há pratos saudáveis, rápidos, para crianças; e aqueles que se degustam viajando pelo interior do país ou em terras longínquas. Há também atrações especializadas em bolos, em festas de aniversário; que dão dicas para melhorar cardápio de restaurante e shows que colocam amadores ou profissionais competindo para saber quem cozinha a melhor refeição. Para todos os gostos.
A segmentação fez com que o número desse tipo de atração desse um salto de 38% na grade de programação da TV no país nos últimos 12 meses, até julho. Segundo levantamento feito pelo Ibope para o Valor, em mais de 70 canais abertos e pagos, há 67 programas de culinária sendo veiculados na televisão brasileira – há um ano eram “apenas” 49.
O número de programas aumenta porque a audiência cresce. Novelas, programas de auditório, shows, futebol e jornalismo continuam no topo da lista das atrações mais assistidas pela maioria dos brasileiros. Mas os programas de culinária estão subindo no ranking. No primeiro semestre do ano passado ocupavam a 31ª posição, numa lista de 38. Neste ano, até junho, estão na 26ª.
O canal de TV por assinatura GNT, que integra a grade da Globosat, é provavelmente o que reúne o maior número de programas de culinária da televisão brasileira – são mais de dez. Os apresentadores Claude Troigros, Olivier Anquier, Rodrigo Hilbert, Bela Gil e Rita Lobo integram o time das produções nacionais, que neste segundo semestre ganha a companhia de Carolina Ferraz. A atriz promete dar um toque gourmet aos pratos do dia a dia. Há também os ingleses Jamie Oliver, Nigella Lawson e Lorraine Pascalle, além do escocês Gordon Ramsay.
Modelo de merchandising
“Culinária é um tema afetivo, capaz de reunir não só as mulheres, mas a família inteira ao redor da mesa ou em frente a TV. Por isso estamos constantemente atrás de novos formatos e diferentes formas de explorar o tema”, diz o diretor executivo comercial da Globosat, Fred Muller. A palavra-chave do GNT, diz ele, é reinventar-se. Ele dá um exemplo da segmentação implantada no programa do chef Claude Troisgros, que apresenta o “Que Marravilha!” há mais de três anos. “Desde então, criamos várias facetas para o programa: Que Marravilha Revanche, Que Marravilha Romance, e Que Marravilha Verão”, diz Muller.
No GNT, 65% dos telespectadores são mulheres, metade entre 25 e 49 anos. Neste ano, até julho, 21 milhões de pessoas assistiram à programação de gastronomia do GNT, diz Muller, citando dados do Ibope. E uma parte do público, além da TV, também consulta o site do canal na internet em busca de receitas.
No Now, sistema da Net pelo qual o consumidor pode alugar programas como se fosse um serviço de videolocadora, as receitas culinárias foram o conteúdo mais acessado do GNT em junho. Segundo Muller, foram 145 mil “views” (acessos), um crescimento de 45% com relação a maio.
Esse crescente interesse do brasileiro por temas gastronômicos já vinha sendo notado no mercado de livros há pelo menos quatro anos e pode ajudar a entender o fenômeno na TV. “Este movimento é forte no Brasil e no exterior”, diz Breno Lerner, diretor-geral da editora Melhoramentos, que já tem 10% das vendas atreladas a livros de culinária. Há cinco anos, essa fatia ficava entre 5% e 6%.
Lerner divide os leitores de livros sobre comida em quatro grupos: homens e mulheres que gostam de cozinhar pratos sofisticados nos fins de semana, assistem TV em busca de ideias e não hesitam em gastar até R$ 180 em um livro de gastronomia; o homem, ou a mulher, que mora sozinho e cansou-se de só comer comida congelada comprada em supermercado; a mulher que trabalha fora de casa e sempre está correndo para alimentar a família; e a mulher que se dedica apenas à sua casa, cozinha todos os dias e fica contente ao receber elogios à mesa. Esta última integra o maior grupo de consumidores de livros populares sobre comida, na faixa de R$ 10 o exemplar e ajuda a engrossar a legião de fãs de programas de comida na televisão.
De fato, alguns apresentadores de programas culinários na TV, mesmo estrangeiros, são tratados como verdadeiras celebridades pelos brasileiros. Há pouco mais de um mês, Buddy Valastro, astro do “Cake Boss”, programa do canal Discovery Home & Health que mostra o dia a dia de uma confeitaria em New Jersey (EUA), fez sua primeira visita ao Brasil. Atraiu uma multidão ao shopping Eldorado, em São Paulo, causando um congestionamento na Marginal Pinheiros em pleno domingo.
Os fãs de Valastro se divertem acompanhando a rotina do confeiteiro que comanda o negócio da família e a cada programa aceita desafios para produzir bolos dos mais variados temas – de um carro que vira robô a um vestido de noiva em tamanho natural, passando por um tubarão em pleno salto.
Desafios e competições entre cozinheiros amadores – um modelo que vem crescendo nos canais de TV por assinatura – também chegam à TV aberta. A Rede Bandeirantes estreou nesta semana a versão brasileira do “Master Chef”, uma franquia americana já vista em 145 países. Aqui, 16 candidatos disputarão, ao longo de 17 semanas, um prêmio de R$ 150 mil, uma bolsa de estudos de três meses na tradicional escola de gastronomia Le Cordon Bleu e um carro.
O tema gastronomia é bem elástico e abriga vários tipos de público. O telespectador que não aprecia “reality shows”, mas é preocupado com a saúde, em comer bem para sentir-se bem, também encontra alternativas na TV. A apresentadora Bela Gil, filha do cantor Gilberto Gil, é uma das atrações do GNT. Em suas receitas, vegetarianas, em geral, costuma usar ingredientes orgânicos.
No canal Discovery Home & Health, produtos orgânicos são usados pelo chef Emeril Lagasse. Os pratos são preparados dentro de uma loja da rede de supermercados Whole Foods – um modelo de merchandising que agências de publicidade no Brasil estão de olho.
Para crianças
A Talent é uma das agências que estão recomendando aos clientes anunciar em programas de culinária. “A oferta de conteúdo de programas de culinária aumentou e o horário, o espaço para o anunciante, também”, diz Rafael Amorim, diretor de mídia da Talent. “É possível inserir os produtos dentro do programa, em uma receita que está sendo feita”, diz ele.
Segundo dados do Ibope Media, publicados pela revista especializada “Meio & Mensagem”, os gastos em publicidade do setor de alimentos somaram R$ 1,5 bilhão no ano passado. O valor é bem menor quando comparado ao setor de varejo, o maior investidor do mercado publicitário nacional e que gastou R$ 6,5 bilhões em 2013.
Mas enquanto o varejo cortou a verba em 5% no ano passado, o setor de alimentos aumentou a sua em 28% em relação a 2012. O mercado publicitário como um todo cresceu 4%, para R$ 31,4 bilhões, no ano passado.
A diretora de planejamento da Talent, Ana Paula Lombardi, observa que a televisão também desempenha um papel que no passado era reservado às mães. Elas ensinavam suas filhas a cozinhar, passando adiante os truques da família. A apresentadora Rita Lobo incorpora bem esse papel. Além de ensinar o passo a passo da receita e de sugerir a louça onde a comida deve ser servida, ela dá dicas de como, por exemplo, tirar o cheiro do alho das mãos: basta esfregar os dedos na pia de alumínio.
A GNT está apostando em Rita, que desde o dia 4 de agosto já está na terceira temporada, com o programa Cozinha Prática, de meia hora de duração. A ex-modelo também mantém o site de receitas Panelinha, tem uma parceria com a editora Companhia das Letras para lançar livros de culinária de autores brasileiros e estrangeiros, e dá dicas de cozinha na rádio Eldorado.
Até o público infantil está contemplado nesta tendência. O canal por assinatura Gloob estreou em abril do ano passado o programa “Tem Criança na Cozinha”, onde dois meninos e uma adolescente procuram mostrar que cozinhar não é algo complicado. As receitas incluem pratos sem glúten e sem lactose e a terceira temporada já está no ar, desde 18 de agosto.
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Cynthia Malta, do Valor Econômico