Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Todo poder ao espectador

O cineasta italiano Gabriele Salvatores apresentou nesta semana no Festival de Veneza “Italy in a Day”.

Projeto colaborativo, o filme reúne imagens registradas no dia 26 de outubro de 2013 por 627 italianos –de um total de 44.197 vídeos enviados à produção.

No site oficial, “Italy in a Day” é apresentado como “o primeiro filme filmado por você”. Não é verdade, claro. Nem mesmo o projeto é original. Na verdade, é uma versão licenciada de “Life in a Day” (2011), realizado por Ridley Scott, exibido no Brasil como “A Vida em um Dia”.

No mesmo dia em que o filme de Salvatores era exibido em Veneza, a “Variety”, publicação especializada no mercado audiovisual americano, informava que a produtora de Scott também conseguiu licenciar o formato de “Life in a Day” para produtoras de Israel, Alemanha e França. Elas vão se juntar à Fuji TV (Japão) e à BBC (Reino Unido), que já tinham adquirido os direitos.

Peço desculpas por ocupar este espaço com algumas linhas sobre cinema, mas é interessante observar esta outra dimensão de um fenômeno que se pensa exclusivo da televisão.

Esforço legítimo

A ideia de que o espectador não apenas assiste, mas também participa como ator-produtor do espetáculo que é a sua própria vida, se tornou nos últimos anos objeto das mais variadas experiências.

Na corrida para se equiparar com a internet, a televisão tem se desdobrado ao propor ações “colaborativas” –frequentemente pagando o preço com vexames antológicos.

Transmissões de Carnaval ou futebol, por exemplo, nas quais o espectador é convidado a enviar um vídeo para a emissora, se tornaram campeões de piada e constrangimentos. O “amigo internauta” que manda perguntas para Galvão Bueno virou um personagem folclórico dentro e fora da televisão.

Igualmente, a ideia de reproduzir na tela da TV mensagens postadas por espectadores nas redes sociais tem se revelado um atentado à credibilidade. Normalmente, apenas elogios aparecem, dando uma ideia totalmente equivocada da diversidade que ocorre no Twitter e no Facebook durante a exibição de determinados programas.

Isso sem falar da infinidade de programas que exibem quadros ou atrações baseados em vídeos do YouTube. São sempre apresentados como “a última novidade”, fingindo ignorar que até a avó do produtor já viu o vídeo no computador do neto, quando não no seu próprio laptop.

Há, é verdade, iniciativas bem-intencionadas, como o projeto “Parceiros do SPTV”, colocado em prática pelo noticiário local da Globo (também há uma versão no “RJTV”). A emissora selecionou, depois treinou e equipou 16 jovens de diferentes partes da cidade para produzir relatos jornalísticos de suas comunidades.

Reportagens de qualidade têm sido feitas, seja denunciando mazelas, seja enaltecendo boas práticas, mas não deixa de passar a impressão, sempre, de que o projeto cumpre mais uma função de marketing do que jornalística, propriamente. Fosse, de fato, essencial, seria incorporado ao noticiário e não apareceria apenas como uma iniciativa temporária.

Este esforço da TV (e do cinema) em buscar cumplicidade com o espectador é legítimo e expressa um evidente incômodo. A esta altura, talvez não haja outra solução, a não ser correr atrás de quem está produzindo conteúdo por conta própria.

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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo