Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Jornalismo de fofoca

Ao receber Paulo Betti em seu programa nesta terça-feira (9), Jô Soares conseguiu sintetizar todo o incômodo que sentiu com as fofocas e boatos difundidos a seu respeito nos últimos tempos.

Jô, como se sabe, ficou ausente da televisão por mais de 40 dias devido a problemas de saúde que o levaram, primeiro, ao hospital e, depois, a um período de recuperação em casa.

O desejo de resguardar a privacidade neste momento íntimo foi colocado em xeque pela onda de “notícias” publicadas a respeito do seu estado. Blogs, sites de revistas especializadas e programas vespertinos de TV foram o terreno preferencial em que essas especulações nasceram e se proliferaram.

Já Betti, como também é notório, está em evidência neste momento por interpretar um dos personagens mais marcantes, ainda que secundários, na trama de “Império”, a principal novela da Globo hoje no ar.

Ele vive Téo Pereira, um jornalista especializado em fofocas, cujo blog é uma referência para o público interessado em “bastidores” sobre a intimidade dos famosos e dos ricos.

A entrevista com Betti serviu mais como veículo para Jô repetir a reclamação que havia feito, na véspera, ao retomar o programa, sobre a irresponsabilidade de publicações feitas com base em relatos de fontes secundárias.

Lembrou que, durante o período no hospital, recebeu uma visita do oncologista Drauzio Varella, seu amigo, o que ajudou a espalhar o boato de que estaria com câncer. “Quer dizer que se o Drauzio fosse ginecologista, eu estaria tendo um aborto!’’

Vidas expostas

A julgar pelo que Aguinaldo Silva tem mostrado em “Império”, se Jô Soares fosse um personagem da ficção, Téo Pereira certamente teria dado fluxo a boatos sobre o seu estado de saúde.

Desenhado com tintas caricatas, Téo Pereira é um gay muito afeminado, que abusa dos gestos e caretas ao falar. Sua principal preocupação é encontrar notícias que elevem a audiência de seu blog. “Isso vai dar muitos cliques”, costuma dizer ao tomar conhecimento de alguma fofoca.

O blogueiro também é apresentado com um tipo vingativo, alcoólatra e frustrado, além de mau-caráter. Já ameaçou fazer chantagem com uma ricaça para não publicar determinada notícia e contratou um capanga para roubar documentos que comprovam a homossexualidade de um personagem que se diz heterossexual.

O exagero na composição de Paulo Betti produz uma espécie de alívio cômico para um personagem que, nos padrões do folhetim, é um vilão clássico. Não creio, porém, que o objetivo seja justificar de alguma forma o comportamento de Téo Pereira, mas sim torná-lo ainda pior aos olhos do público.

A conversa de Jô com Betti deixou a desejar por evitar uma questão central: o papel da própria Globo como fonte de estímulo à invasão de privacidade –um forninho que aquece ou requenta as melhores e piores fofocas.

Não preciso nem falar da revista e do site do grupo dedicados a escarafunchar a vida dos famosos. Téo Pereira deve adorar, também, várias atrações da emissora, como o “Arquivo Confidencial”, no Faustão, por exemplo, dedicadas a expor a vida de seus artistas e arrancar lágrimas dos espectadores.

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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo