Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

O fim da ‘Grande Família’

Se você esteve em Marte nos últimos dias e não foi avisado, anote aí: A Grande Família acaba nesta quinta-feira [11/9] à noite, prenunciando que Lineu, Nenê, Agostinho, Tuco e cia. não mais estarão à disposição do seu sofá nas noites de quinta-feira, pela Globo, vaga que vêm frequentando há 14 anos. Diretor de núcleo responsável pelo lançamento do programa em 2001, Guel Arraes deixou o clã por alguns anos e depois retornou. Não planejava temporada tão longa, admite ao Estado.

No grand finale, o telefone toca na casa dos Silva e Tuco (Lúcio Mauro Filho) atende. É da Globo. Daniel Filho se apresenta para sugerir que a família inspire a criação de um novo seriado de humor. Só Lineu (Marco Nanini), cético que é, não comemora. Acredita que a família não é assim tão engraçada para referendar uma comédia. Mas muda de ideia ao saber que seu personagem será vivido por Tony Ramos.

A metalinguagem rendeu uma gama de participações especiais. Nenê (Marieta Severo) será Glória Pires; Tuco vira Marcelo Adnet; Bebel (Guta Stresser), Deborah Secco; Agostinho (Pedro Cardoso), Lázaro Ramos; Florianinho (Vinícius Moreno), JP Rufino; Paulão (Evandro Mesquita), Alexandre Borges, e Lurdinha (Maria Clara Gueiros), Luana Piovani. Isso sem falar em Beiçola (Marcos Oliveira) e Mendonça (Tonico Pereira). Entre os grandes nomes que passaram por lá, convém destacar Andréa Beltrão, que deixou a série para fazer Tapas & Beijos e hoje dá o ar da graça com sua Marilda, para se despedir de Nenê, e Rogério Cardoso, o seu Floriano, morto em 2003.

Quando vocês trouxeram A Grande Família de volta, 14 anos atrás, havia alguma ideia de quanto tempo ficaria no ar?

Guel Arraes – Eu queria fazer bem pouco. No início, era um programa bem mais simples, todo feito dentro da casa, o elenco não era todo estelar. Tinha a Marieta, o Nanini, todos bons atores, mas pequeno e num lugar só, cenário mais enxuto.

Até que ponto o texto original, dos anos 70, serviu ao remake?

G.A. – O Cláudio Paiva usou os três primeiros episódios. A partir dali, reescreveu tudo. O que ficou foram os personagens, muito arquetípicos. Não há propriamente uma originalidade na disposição de uma família, as ações dramáticas é que foram ganhando peso.

O contexto político do original foi substituído por comportamento, de modo que acabou refletindo a ascensão da classe C nesse período. Foi possível planejar esse reflexo da vida real, ou tudo foi obra da coincidência?

G.A. – Isso foi uma feliz coincidência, mas havia na base uma intenção. O editorial inicial do programa era um pouco a ideia de uma esperança no homem comum. A gente achava, e sentia, que ia se abrir uma esperança no Brasil, tínhamos passado pelo Collor… E achamos que poderíamos falar desse homem mais ético, e não do brasileiro esculhambado. No Sai de Baixo, que estava terminando, até o herói era vilão – o Tatá (Luiz Gustavo), que era o mais ético, se metia em falcatruas. NaGrande Família, queríamos que até o vilão fosse herói. O Agostinho, afinal, defende valores éticos, de família. Em vez de esculhambar o Brasil, dissemos: ‘vamos acreditar’. Havia conscientemente essa ideia de fazer um programa pra cima.

Em que momento se discutiu de verdade a possibilidade de encerrar o programa? 

G.A. – A gente já fala nisso há um tempo. Mas a dinâmica do programa funciona muito bem. Ninguém de lá de dentro, ninguém do elenco teve coragem de determinar isso. Sempre surem essas questões de ‘vamos sair por cima’, mas não houve em nenhum momento o ‘vamos acabar porque não quero mais’. A decisão foi do produtor mesmo, no caso, a Globo, pelo Schroder (Carlos Henrique, diretor geral da emissora). Isso não foi uma decepção, todo mundo estava torcendo para alguém decidir, eu não queria que caísse na minha mão. Claro que já houve briga interna, mas não foi isso que determinou e ninguém deu um ultimato. O elenco ficava muito dividido, pois tem vontade de fazer outras coisas.

E agora, não há uma pressão sobre o que colocar no lugar? 

G.A. – Primeiro, a gente fica aliviado. Não existe mais ‘o lugar’. O The Voice já ocupou esse espaço no último trimestre do ano passado e foi bem. Também dispensa comparações: não é melhor nem pior, é diferente. Como esse rodízio de temporadas mais curtas agora é recorrente, é possível que não entre nada fixo. Nem há essa demanda de entregar um produto para dar certo o ano todo. Os seriados mudaram muito. Temos novos formatos. A Grande Família é umaModern Family, mas, enquanto os seriados hoje brigam para ficar longe do formato de novela, A Grande Família surfava na onda da novela. O fim da Grande Família, que continua dando certo, é também uma maneira de provocar os criadores, de sair da zona de conforto.

Como chegaram à ideia final?

G.A. – O último programa foi um milagre. A gente sempre se reúne, também com o elenco, às vezes mais restrito, para pensar no que fazer. É um programa muito caseiro, ele mantém um pouco o espírito de teatro. Numa escala industrial, é claro que isso não podia ser toda semana. Mas, pela primeira vez, a gente se reuniu e saiu um argumento com começo, meio e fim, em duas horas. Isso é difícil até numa reunião de autores que dure o dia todo. É o melhor programa final que poderia haver.

A Grande Família tem fôlego para ser refeita em alguns anos?

G.A. – Teria que ser uma coisa muito original. Poderia ser um especial de fim de ano. O programa tem muito recall. Ele existe no imaginário das pessoas. A Globo poderia fazer um programa que se baseia numa grande família, o Lineu vive no imaginário das pessoas. É como a Odete Roitman, que vive no imaginário popular até hoje: se ela não tivesse morrido, poderia surgir em outra novela. 

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Cristina Padiglione, do Estado de S.Paulo