É quase um vale a pena ver de novo de alguns conflitos e ações recorrentes nas novelas da década de 1980 e 90. Dois personagens masculinos se envolvem em um acidente entre um avião e um táxi. Um deles, o do taxi, morre no dia de seu casamento, deixando a noiva – a mocinha – abandonada no altar. O moço, que estava dentro do avião que caiu, sobrevive e se apaixona à primeira vista pela noiva do rapaz. A mocinha, pobre e desamparada e indignada e dramática, numa mistura de amor e ódio, até tenta impedir, mas aos poucos se vê envolvida com o moço romântico.
O diabo é que a noiva dele, a vilã-júnior, uma patricinha loira e rica e mimada e deslumbrada, não aceita fácil que o homem de sua vida troque ela por outra mulher. Daí temos barracos, tapas, intrigas, equívocos, encontros, desencontros, armações, desentendimentos, lágrimas, reconciliação, desentendimentos de novo… No meio de alguma coisa disso, o telespectador sabe da tal troca de bebês no passado feita pela vilã-sênior, ex-mulher do pai da patricinha, que, para se vingar, trocou a mocinha legal pela vilã-júnior na maternidade. Ou seja: mocinha legal é rica, vilã-junior chata com voz de pato é pobre. Quem não viu isso antes?
Com essa trama principal e outros incontáveis detalhes aqui e ali, Rui Vilhena, autor da novela Boogie Oogie, atualmente exibida às 18h na Globo, escorrega no clichê das novelas e deixa o par central patinar num romantismo muito açucarado e doméstico. Mas, para o espectador, num caso excepcional à Boogie Oogie, isso pouco importa. Vilhena faz entender que, ainda que seu enredo e, consequentemente, seus personagens envolvidos bem como suas ações durante a narrativa não tragam novidades para o gênero, tampouco disponha reflexão sobre tipos contemporâneos (até porque a novela se passa na década de 1970), um bom roteiro e agilidade são capazes de conquistar o apreço do público.
O argumentista escreveu novelas consagradas em Portugal – onde o gênero é forte – e agora assume, pela primeira vez, o posto na emissora carioca no horário preferido das donas de casa. Diferente de alguns autores brasileiros, que desandam a narrativa com incoerências, tal qual Gilberto Braga, ele ainda acredita em roteiro de telenovela. Dá para sentir isso desde o dia da estréia de Boogie Oogie até hoje, quase dois meses depois. Ele não é do tipo de fazer novelas naturalistas como as de Manoel Carlos e Lícia Manzo, por exemplo, mas consegue se entregar de corpo e alma no inventado propriamente dito, na ficção, no “é coisa de novela”. E em Boogie Oogie ele aproveita: na época em que se passa a trama não havia teste de DNA, internet e muito menos telefone celular.
O dono da história
É nos dois primeiros meses que um folhetim carrega algum tipo de autoria, quando ainda não é vítima da pressão severa do público e dos misteriosos desígnios da alta cúpula da emissora que a vão tornando reiterativa, arrastada, esticada ou encurtada, decalcada por truques para subir audiência. Autoria aqui tem um significado cauteloso: tem a ver com as concepções de seus autores, sim, mas também com os outros profissionais envolvidos, sobretudo diretores, colaboradores e atores, que também contribuem para a obra.
Até aqui, ainda é a novela de Vilhena. Um folhetim em que cada detalhe obedece a um plano geral, a forma dos personagens se anuncia em diálogos e gestos bem cuidados e, importante, as expectativas do público ainda não são capazes de mudar os rumos da trama. Pelo que foi visto até o capítulo de ontem, a narrativa é hiperativa e bem amarrada, com algumas pitadas de ousadia criativa que também parece ser marca do autor.
Outro detalhe importante é que Rui Vilhena ainda supõe que o espectador gosta de acompanhar o desenrolar da história e, mais, que isso merece do texto, dos diálogos, dos atores e da direção uma narrativa menos embaçada e mais coesa. Ou seja, ainda prefere uma história bem contada à simples exposição a cenas de impacto, o que se torna conveniente para o horário proposto. Tem dado certo. Pelo alvoroço nas redes sociais e audiência aceitável para os tempos de hoje, ao que parece, a novela a moda antiga de Vilhena, com boate embalando músicas dançantes, ainda tem lugar na TV moderna.
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Murilo Melo é jornalista