Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

TVs põem vidas em risco por audiência

Assim que o sol se pôs na linha do horizonte em Chicago, em 2 de novembro, o destemido Nik Wallenda pisou em um cabo suspenso a 180 metros acima do solo e caminhou mais de duas quadras desde a torre ocidental do complexo Marina City até o Leo Burnett Building, do outro lado do rio Chicago. Isso foi feito em 6 minutos e 51 segundos e em um ângulo de 19 graus, granjeando o recorde mundial de caminhada mais inclinada em um cabo entre edifícios.

Na sequência, Wallenda fez algo ainda mais arriscado. Ele desceu de elevador, voltou à torre ocidental do Marina City, pôs uma venda nos olhos e foi até a torre oriental a uma altura de mais de 150 metros. Essa nova caminhada no cabo durou apenas 1 minuto e 17 segundos, sendo a mais elevada com olhos vendados já registrada.

Ambas as proezas foram realizadas sem rede ou arreios de proteção e documentadas por uma profusão de câmeras para o Discovery Channel, que transmitiu cada passo na televisão e em telas digitais em mais de 220 países. Nos Estados Unidos, a façanha atraiu 6,7 milhões de espectadores.

A acrobacia ilustrou os riscos extremos assumidos por redes de televisão para obter audiências lucrativas ao vivo nesta época de público fragmentado. Exceto por esportes e grandes eventos culturais de apelo popular, atrair audiência em massa é um desafio. O Discovery está descobrindo que proezas radicais podem ser a solução.

“Ver pessoas desafiando seus limites é eletrizante”, comentou Howard Swartz, produtor executivo do Discovery para o programa “Skyscraper Live With Nik Wallenda”. “Há um elemento de risco que todos querem ver. Os aspectos de assombro, perigo e inspiração são muito atraentes e identificáveis.”

Embora anunciado como um evento ao vivo, os espectadores não viram a caminhada de Wallenda em tempo real. O Discovery a transmitiu com 10 segundos de atraso. Se algo desse errado, disseram executivos da rede, “nada que fosse chocante ou impróprio” seria transmitido.

Salto ao vivo

Eventos como esse suscitam questões sobre até que ponto empresas de entretenimento devem realizar programas nos quais haja risco real de morte. “Mostrar coisas assim ao vivo beira o grotesco”, disse o antropólogo Grant McCracken, que estuda televisão e cultura.

Wallenda caminhou acima das cataratas do Niagara em 2012. A ABC transmitiu a proeza, mas exigiu que ele usasse um equipamento de segurança. No ano seguinte, Wallenda negociou seu espetáculo com o Discovery, que não exigiu rede ou equipamentos de proteção para sua caminhada acima do Grand Canyon. O programa teve 13 milhões de espectadores e 2 milhões de visualizações on-line, sendo o evento ao vivo de maior audiência na história do Discovery.

Assim que pisou em terra firme, Wallenda disse que sua próxima meta era caminhar entre arranha-céus. Ele começou a treinar. O Discovery e a Peacock Productions da NBC começaram a preparar os esquemas logísticos e de produção.

O espetáculo foi realizado em uma das partes com maior incidência de ventos da tempestuosa Chicago. Foi a caminhada mais elevada entre arranha-céus já feita por um membro da família Wallenda. O ousado Wallenda dedicou a proeza a sua família, em especial a seu bisavô Karl Wallenda, que há 36 anos tentou caminhar em um cabo esticado entre dois arranha-céus em Porto Rico. Karl se desequilibrou no percurso e despencou para a morte.

“Para inspirar outras pessoas, tenho de continuar me arriscando”, disse Wallenda, 35, acrobata da sétima geração da família que desde a infância se apresenta no circo Flying Wallendas.

Desde a época dos gladiadores, passando pelo ilusionista Harry Houdini e o motociclista e dublê Evel Knievel, que atuava como homem-bala e desafiava o Globo da Morte, homens que arriscam a vida são um chamariz certeiro de público. A ascensão recente de reality shows e esportes radicais na TV estimula os espectadores a buscarem entretenimento cada vez mais cru e sem mediação, disse McCracken.

Proezas radicais atraem uma enorme audiência ao vivo e atenção nas mídias sociais, o que leva anunciantes a pagarem fortunas para atingir os espectadores.

Segundo especialistas, o ressurgimento de façanhas que desafiam a morte se deu há dois anos, quando o paraquedista austríaco Felix Baumgartner rompeu a barreira do som em sua queda livre da estratosfera. Com patrocínio da Red Bull, o evento bateu o recorde de 9,5 milhões de espectadores simultâneos no YouTube. O Discovery televisionou tudo e teve um total de 7,6 milhões de espectadores.

Em seguida, dublês passaram a propor façanhas altamente arriscadas para Hollywood. Um deles foi “Big” Ed Beckley, motociclista de 125 quilos que está se preparando para recriar a tentativa malograda de Knievel em 1974 de saltar acima do cânion do rio Snake em Idaho, que tem até 150 metros de profundidade e 400 metros de largura.

“As pessoas ficam entediadas com a vida real”, disse Beckley. “As crianças precisam de sapatos novos. É preciso pagar o aluguel ou as prestações da casa e do carro. Seja qual for o caso, as pessoas gostam de ver essas façanhas para se distrair das coisas ruins de suas vidas.”

Executivos do Discovery disseram que Wallenda os procurou para apresentar a ideia em Chicago afirmando que a realizaria com ou sem eles. Eles relataram que rejeitam com frequência esse tipo de proposta. Neste ano, cancelaram planos de um salto ao vivo no monte Everest depois que uma avalanche matou pelo menos 13 pessoas lá. Marjorie Kaplan, presidente interina do Discovery, declarou: “Nós não estamos tentando estimular riscos cada vez maiores”.

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Emily Steel, doNew York Times