Quem nunca assistiu ao programa Brasil Urgente, sensacionalista como convém a uma atração televisiva policial, levante a mão.
Você, exceção ou mentiroso, pode abaixar o braço para não ficar com câimbra.
O programa bate recordes de audiência e seu apresentador, José Luiz Datena, faz muito bem o papel de justiceiro virtual de um Brasil real e impotente diante da injustiça.
Mas quem não acompanha o Datenão, grande, carismático e “gente como a gente”, também não precisa.
O que aparece na telinha é apenas a ponta de um iceberg sanguinolento que flutua no mar de lama do país.
Todos os dramas e mazelas que ele mostra diariamente são apenas retratos bem editados da terrível insegurança pública.
Basta abrir a porta, ou nem isso, para se candidatar a virar notícia do Datena.
É torcer, e rezar, para não acontecer.
Não há como fugir da violência num país que até prende, mas solta rapidinho, bandidos de todos os tipos, classes e idades.
E o que tem tudo isso a ver com nós, os defensores de animais?
Simples: invariavelmente, as vítimas entrevistadas, ou seus familiares, classificam seus algozes e atacantes como animais.
E o Datenão também, na falta do adjetivo correto, chama de animais os bípedes humanos que batem, roubam e matam.
Bichinhos sofrem
Ora, animais não merecem ser comparados a predadores humanos.
Isso só reforça o senso comum, e preconceituoso, de que somos superiores a tal ponto que, quando nos comportamos com selvageria com nossos semelhantes, nos “rebaixamos” à condição de bichos.
Puxa vida, isso que é, para usar outra expressão muito utilizada, coisa de mundo-cão.
Nós, protetores de animais, sabemos que aquilo que bípedes humanos fazem com seus iguais biológicos fazem em dobro com seres sencientes de quatro patas ou que rastejam ou voam.
E também impunemente.
Violência humana não tem paralelo, nem na linguagem, na natureza. Bicho não mata sem fome. Bicho não agride se não for para se defender. Bicho não é gente. Ainda bem.
Os personagens de Datena são monstros, canalhas, bárbaros, tudo, menos animais.
Datena adora cachorros, lê muito e valoriza a cidadania, é sangue-bom. Bem que poderia usar sua influência para pôr o rótulo certo nos calhordas escrachados em seu programa.
Se possível, também destacar as atrocidades que os inocentes e desprotegidos – e, além de tudo, difamados pela mídia e pela população – bichinhos sofrem.
Os que não podem reclamar, nossos irmãos de pelos, escamas e penas, mais sofridos que nós nesta terra de ninguém, agradecem.
Ajuda aí, Datena!
Ulisses Tavares não acha que humano e animal é igual. Humano é muito pior. Coisas de poeta.
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Ulisses Tavares é poeta