Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Televisão e minorias

A televisão é um poderoso instrumento para criar ou difundir determinados estereótipos. Lembrando o pensamento marxiano, podemos afirmar que o conteúdo das emissoras brasileiras corresponde à ideologia da classe dominante. Desse modo, ao longo de seis décadas, as programações de nossos principais canais de televisão foram responsáveis por acentuar os estigmas de diversas minorias como negros, mulheres, pobres e homossexuais. Nos estudos de ciências sociais, o termo “minoria” não se refere necessariamente a uma população numericamente pequena, mas está ligado, sobretudo, ao poder político que um determinado setor possui em relação ao restante da sociedade. Em outros termos, minorias são aqueles grupos sociais que não se encaixam nos padrões de “normalidade” ou que estão podados de prerrogativas, como a capacidade de poder criar sua própria identidade, independente de fatores alhures.

Apesar de a escravidão ter sido oficialmente abolida no final do século 19, não é difícil inferir, através de observações empíricas e dados estatísticos, que o arquétipo do negro social e economicamente inferior ainda faz parte do inconsciente coletivo do brasileiro comum. Nos principais meios de comunicação de massa, os negros ainda continuam sendo associados a antigos estereótipos, como a “mulata sensual”, o “bandido” ou o “negro malandro”; e a profissões consideradas socialmente inferiores, como empregadas domésticas e jardineiros. Na telenovela A Cabana do Pai Tomás, exibida pela Rede Globo entre 1969 e 1970, um ator branco foi escolhido para interpretar o personagem principal da trama, que era um escravo negro. Na época, a opinião geral na classe artística era que Milton Gonçalves deveria fazer o papel. Não obstante, em outra telenovela com o tema escravidão, a emissora da família Marinho adaptou o romance Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães para a tela da TV. Como a trama estava centrada na vida de uma escrava branca, em mais uma oportunidade o negro foi preterido do papel de protagonista. Somente em 2004, a Rede Globo produziu uma telenovela protagonizada por uma atriz negra (Taís Araújo) e, mesmo assim, com o tendencioso título de A Cor do Pecado (evidentemente que o “pecado” em questão era a luxúria).

Por outro lado, de acordo com os movimentos feministas, as desigualdades entre gêneros começam com a substituição de sociedades coletoras por sociedades caçadoras (quando a força física passa a ser o principal fator de distinção social), acentuam com o surgimento da propriedade privada e são corroboradas espiritualmente pelas grandes religiões monoteístas. No século 20, com o advento de novas tecnologias comunicacionais, a mídia passa a ser um novo e poderoso meio para estigmatizar o gênero feminino. Na TV brasileira, a hipersexualização e objetificação do corpo feminino nos remetem pelo menos aos anos 1970, com as “chacretes”, exacerbaram nos anos 1990 em quadros dominicais, como “Banheira do Gugu”, e chegam aos dias hodiernos em programas como Pânico na TV, Legendários e nos reality-shows em geral.

Difusão de estereótipos

Em um país marcado por intensas desigualdades econômicas, onde a elite odeia e sente vergonha do povo, ser pobre é quase uma “doença”. Sendo assim, as classes populares são constantemente ridicularizadas nos principais meios de comunicação, seja na sua maneira de falar (o famoso “preconceito linguístico” como forma de distinção social) ou por causa de seus hábitos simples. Nesse sentido, programas de humor, aparentemente ingênuos e apolíticos, são os principais mecanismos para a mídia reforçar estereótipos sobre a pobreza no Brasil.

Já em relação aos homossexuais, a TV brasileira apresenta posições ambíguas. Conforme é do conhecimento dos telespectadores, casais homoafetivos estão cada vez mais presentes nas telenovelas. Todavia, não nos iludamos. A presença constante de homossexuais na televisão deve-se, sobretudo, ao grande poder aquisitivo de grande parte dos indivíduos que compõe essa parcela da população. Por outro lado, canais de propriedade de pastores evangélicos fazem campanha contra qualquer tipo de política que pretenda combater a homofobia no Brasil. Em 2011, por exemplo, a Rede Record ridicularizou e distorceu ao máximo o conteúdo do kit Escola sem Homofobia, proposto pelo governo federal. O objetivo desse projeto era combater a intolerância e promover o respeito à diversidade sexual nas instituições de ensino básico, mas, para a emissora do pastor Edir Macedo, essa política (pejorativamente qualificada como kit gay) incentivava a prática da homossexualidade. Assim, devido ao grande lobby dos setores conservadores, o kit não foi colocado em prática. Um grande retrocesso para a laicidade estatal e mais uma vitória do obscurantismo religioso.

Evidentemente, a televisão brasileira não inventou o racismo, o sexismo, a homofobia e tampouco o preconceito de classe. Entretanto, como se pôde constatar ao longo deste artigo, é inegável a sua importância para a difusão de estereótipos em relação às minorias. Diante dessa realidade, é preciso que haja a completa democratização dos meios de comunicação para que os setores marginalizados de nossa sociedade possam ter a oportunidade de defender os seus valores políticos em igualdade de condições. E essa reivindicação não é tarefa somente de movimentos negros, feministas, ou de homossexuais, mas de todos aqueles que anelam por uma realidade mais justa e solidária.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG