O noticiário sobre televisão no Brasil trata frequentemente de assuntos indisponíveis ao público brasileiro. Estou me referindo a notícias e análises sobre séries estrangeiras, sobretudo norte-americanas.
Uma parte considerável destas notícias, publicada em revistas, jornais e sites, tem como fontes publicações estrangeiras, um recurso normal no jornalismo. Outra parte, porém, chega ao leitor de forma menos ortodoxa. Sem acesso a determinada série, porque ela ainda não é exibida no país, o jornalista assiste a versões pirateadas do produto para depois escrever a respeito.
A justificativa para este procedimento é o interesse público. Uma vez que determinado programa, mesmo que ainda não disponível no Brasil, está despertando interesse ou discussão entre brasileiros, o jornalismo se sente como que na obrigação de falar a respeito. E, se a única forma de fazer isso é vendo uma cópia pirata, que assim seja.
Entendo esta justificativa, mas não concordo com ela. Ela é semelhante à usada por inúmeros sites comerciais que copiam minhas colunas na “Ilustrada” ou meus posts no UOL e os republicam, à minha revelia, sem que eu seja remunerado por isso.
Sei que esta visão é considerada ingênua, cômica ou mesmo da era dos dinossauros. Mas considero que não há outra forma, para um autor, de combater a pirataria senão evitando qualquer tipo de relação com ela.
Os canais estrangeiros que exibem sua programação na TV paga brasileira também podem contribuir para isso –e muitos estão agindo, diminuindo o intervalo entre a exibição nos EUA e no Brasil de episódios inéditos das séries mais populares.
Versão digital
No caso mais recente, a Fox anunciou que, a partir de fevereiro, vai mostrar novos episódios de “The Walking Dead” apenas um dia depois que eles forem ao ar nos EUA –até então eram exibidos 48 horas depois.
Outra forma de combater a pirataria é por meio da redução dos preços dos serviços à la carte e de streaming de conteúdo audiovisual.
O caso do filme “A Entrevista”, ainda que muito peculiar, oferece algumas lições a respeito. O primeiro impulso da Sony Pictures, diante das ameaças que vieram com a ação dos hackers, foi cancelar o lançamento –uma decisão tão desastrada que mereceu críticas até do presidente americano Barack Obama.
Por fim, a Sony acertou a exibição do filme em 331 salas de cinemas “independentes”, sem vínculos com as grandes redes que ficaram com medo de mostrar o longa-metragem, como seria de se esperar, em mais de 2.000 salas.
Mais importante, porém, atropelando todas as etapas normalmente envolvidas no lançamento de um grande filme, a empresa decidiu oferecer “A Entrevista” em versão digital nos serviços de streaming.
Os números divulgados após duas semanas são surpreendentes. O filme foi comprado ou alugado mais de 4,3 milhões de vezes, gerando um valor de US$ 31 milhões (cerca de R$ 81 milhões). Já nos cinemas, rendeu algo em torno de US$ 3 milhões (cerca de R$ 7,8 milhões).
O sucesso da versão digital de “A Entrevista”, ainda que insuficiente para cobrir os custos da Sony (US$ 90 milhões, ou R$ 234 milhões, se incluídos gastos com marketing), espantou o mercado, mostrando que há um público cada vez maior disposto a pagar para ver filmes em algum aparelho.
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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo