Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

‘Estereótipos cansados de selvageria’

O canal australiano Channel Seven perdeu a batalha judicial de três anos a respeito de um programa que apresentou a tribo Suruwaha, na Amazônia, de uma forma que autoridades consideraram imprecisa e racista. Para a professora do centro de religião e sociedade da Universidade de Western Sydney, Cristina Rocha, o quadro no Sunday Night, que retratou a “tribo perdida” supostamente vivendo na “idade da pedra”, não pode ser considerado apenas diversão inofensiva, já que “televisão é um negócio sério, assim como eram os antigos impérios coloniais”.

Em entrevista ao The Guardian, a antropóloga brasileira, que vive na Austrália há 15 anos, afirmou que vê paralelos entre a forma como os europeus têm lidado com os indígenas brasileiros e os indígenas australianos. “As estratégias de remoção de crianças indígenas, assimilação cultural, expulsar os proprietários tradicionais de suas terras para abri-las para agricultura e mineração, são comuns em ambos contextos”, argumentou. Rocha acrescentou que o canal se baseou em “estereótipos cansados de selvageria” e considerou “reconfortante” que a Autoridade Australiana de Comunicação e Mídia (Acma, na sigla em inglês) decidiu que não é aceitável denegrir outras culturas tão descaradamente.

Já o jornalista Scott Wallace, que também comentou o episódio para o jornal inglês, chamou o programa de “simplista”, “sensacionalista” e “impreciso”. “Tendo escrito extensivamente sobre a floresta amazônica e as lutas de seus povos indígenas, aprendi que você deve sempre escavar abaixo da superfície para encontrar a verdade. Se não estiver atento, meus próprios preconceitos culturais podem limitar minhas percepções de maneiras que eu mesmo posso não saber”, alertou, ao criticar a posição de Tim Noonan e Paul Raffaele, responsáveis pelo programa, alegando que eles não tiveram um “olhar crítico”.

Jonathan Mazower, diretor de advocacia da organização de direito das tribos Survival International, informou que o programa foi discutido com os Suruwaha e que eles estavam irritados com o retrato feito deles. “Nós produzimos um conjunto de diretrizes para as equipes de TV que trabalham com os povos indígenas. Eu gostaria de pensar que esse precedente pode dissuadir outras empresas de TV de produzir lixos semelhantes no futuro, mas eu não vou prender minha respiração.”

Por fim, o documentarista Nicholas Spiers comentou sobre sua experiência pessoal de trabalho com comunidades indígenas no Brasil: “(…) mesmo com as melhores intenções, a representação audiovisual de culturas diferentes coloca uma série de desafios éticos”. Para ele, um “filme documentário pode representar um bom diálogo entre culturas, em vez de reproduzir uma exploração de uma sobre a outra”. (Com agências internacionais)